Certo dia, durante as
férias, a minha mãe chegou junto de mim e questionou-me; «Miguel, gostavas de
ir com a tia de férias para o Algarve?». O Algarve, ainda hoje, é uma zona de
Portugal muito procurada, mítica, diria. Desejada por tantos milhares que nunca
lá foram, a não ser em revistas, postais enviados por familiares ou pela
televisão.
Para mim, aos oito anos de idade,
poder ir ao Algarve passar férias era como ganhar um prémio na Lotaria. Eu
queria muito ir com os tios aquela terra que se chamava Algarve e que tinha umas
casas com umas chaminés diferentes.
Fiquei muito entusiasmado com a
ideia.
Quando os meus tios chegaram a minha
casa, corri todo entusiasmado a dar-lhes a novidade, como se eles já não a
soubessem. Afinal eram eles que me iam levar ao “El Dourado” dos veraneantes
portugueses. Afinal, durante o verão, principalmente no mês de Agosto, o país
inclina-se e quem não se agarrar bem vai parar ao Algarve. E nesse ano eu não
me queria agarrar bem. Ao dar a novidade, os meus tios riram-se e começaram a
“entrar” comigo;
- Então mas queres ir connosco? E não
vais chorar?
- Não choro! – respondi – Quero muito
ir.
- Mas não sei se tenho lugar para ti,
no carro – dizia o meu tio – Vou eu, a tia, a prima, a tenda, os sacos-cama e
todas essas coisas.
- Então, mas eu posso levar a tenda e
os sacos-cama ao meu colo – argumentava da forma como podia para não perder as
férias do Algarve.
Não se mostrou necessário transportar
todo aquele material em cima de mim. A carrinha, Toyota Corolla azul, dos tios,
foi capaz de transportar tudo. Não tenho grande ideia da viagem, porque na
ocasião havia muito o hábito de se fazê-la durante a noite. Era mais fácil de
atravessar o Alentejo, pois dessa forma não se sofria com todo o calor
alentejano e as crianças, eu e a minha prima, que deveria ter uns cinco anos de
idade, iriamos a dormir.
Chegámos ao parque de campismo pela
manhã. O meu tio fez o registo de entrada e, quando chegou ao carro disse «vais
ter de te esconder para o guarda não te ver» e eu tentei esconder-me, de
ninguém, para que não me vissem.
Entramos.
O
parque de campismo era muito bom. Pelo menos era o que dizia o meu tio. E se
ele dizia, uma vez que era adulto, então deveria ter razão. Acenávamos que sim.
E na verdade era. Visitei-o alguns anos mais tarde e realmente comprovara-o.
Era muito bom, o parque de campismo. Tinha muitas sombras, excelentes
balneários, bons acessos. Do outro lado da rua estava a praia.
A ida
de férias trazia duas novas experiências, a primeira, o facto de ir de férias
ao Algarve e a
segunda a de ir acampar. A
montagem da tenda, a preparação do espaço, as regras do barulho, do cuidado
para não levar areia para dentro da tenda, ui! Tanta coisa nova.
Visitámos praias e locais. Fomos à ilha
de Tavira e aí diverti-me muito. Até andamos de barco para lá chegar. Mais uma
nova experiência. Que emoção! No entanto, na praia de Monte Gordo, iria surgir
um acontecimento que me marcaria as férias de sonho. Foi ali, naquela praia onde
a água parece “caldo”, numa maré vazia, que assisti à briga de dois irmãos pela
posse de uma alforreca. De uma alforreca, imagine-se. Aquele bicho gelatinoso,
branco, que segundo o meu tio «não se pode tocar, porque se o fizermos ficamos
com comichão para toda a vida». «Para toda a vida?». Fiquei muito assustado,
não o demonstrando. Olhava para aqueles dois à briga, por causa de uma
alforreca. Olhei em meu redor e vi, no areal, muitas e muitas alforrecas. Tive
vontade de correr dali. Fiz-me forte e nada disse aos meus tios. Porém, nessa
noite, algo de terrível aconteceu. Enquanto dormia, sonhei que estava rodeado e
a ser atacado por dezenas de alforrecas. Acordei muito assustado e, olhando no
escuro ao meu redor, via-as. Estavam ali, a cercar o meu saco-cama, a
vigiarem-me, prontas para me atacarem e me deixarem com comichão para toda a
vida. Tive vontade de gritar, chamar pelos meus tios, mas não o fiz. Apenas me
limitei a chorar em silêncio, horrorizado, sem fazer barulho com medo que
aquelas malditas me escutassem e viessem para cima de mim. Chorei, baixinho, em
silêncio, sempre na mesma posição, sem me mexer. Tinha medo de um ataque
súbito. Desejava apenas que a noite terminasse, mas nestas situações o tempo não
passa O relógio parece parar.
De manhã, assim que escutei a voz do
meu tio, sabia que ele me viria salvar de todas aquelas alforrecas. Lentamente
levantei a cabeça e abri os olhos na esperança de o ver. Ao olhar em meu redor,
reparei que as alforrecas tinham desaparecido. Pensei então «assustam as
crianças, mas fogem dos adulto. Malditas!».
No regresso a casa, no final das
férias, fiquei triste por aquele tempo ter passado tão rápido, mas muito feliz
por voltar a ver os pais e ir ficar longe daquelas alforrecas que me fizeram
chorar.
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