Estávamos todos os
quatro, eu, o Zen, o Zi e o Lei, muito entusiasmados e excitados com a primeira
viagem que íamos fazer. Apenas nós os quatro, sem pais e sem adultos.
Tínhamos o hábito de nos
encontrarmos em minha casa quando nos reuníamos para irmos até ao centro da
cidade. Utilizávamos a frase “às tantas horas em casa do Miguel Branco”. No
entanto, se o encontro dos amigos se passava numa tarde de sábado, ele
acontecia num pequeno espaço que tínhamos arranjado no sótão da casa do Zen. Aí
dizíamos isso mesmo, que nos encontramos “no sótão do Zen.”
O “sótão do Zen” era um espaço que se
situava, como todos os sótãos, sobre a casa da mãe do Zen. Um sótão, portanto,
mas cuja entrada e acesso se fazia pelo exterior da casa. Tínhamos arranjado
materiais, grande parte deles comprados com as nossas economias, outras
oferecidas por alguns conhecidos. Com o nosso trabalho erguemos no pequeno
sótão uma espécie de clube privado, onde fazíamos umas festas e ao qual, por sugestão,
creio eu, do Zi, demos o nome de “Meddle”, título de um álbum dos Pink Floyd.
Nessa noite o “Meddle” foi a casa de
nós os quatro. Não era o “sótão do Zen”, mas sim o “Meddle”, o quartel-general
de quatro adolescentes, um com 14 anos de idade, eu, e ou restantes com 13 anos
de idade. Foi o “Meddle” que testemunhou a ansiedade de quatro rapazes que
passaram uma noite em claro, à espera que o relógio marcasse as sete horas da
manhã.
Estávamos no ano de 1984, o ano que
marcou definitivamente a nossa emancipação. Caminhando agora numa rua
diferente, estes eram os quatro elementos que estavam quase sempre juntos. Digo
quase, porque não dormíamos nem almoçávamos juntos. Bem, desde este dia
passamos muitas vezes, também, a almoçar juntos. Desde o dia seguinte a esta
noite, eu, o Zen, o Zi e o Lei passamos uma semana a dormir juntos, dentro de
uma tenda para três pessoas. Quatro adolescentes, uma tenda para três pessoas,
quatro bicicletas e muita vontade de avançar para o desconhecido.
A preparação das férias fez-se ao longo
de duas semanas. Ficou decidido que iriamos estar fora durante uma semana.
Aprovação dos pais para avançarmos nesta novidade para as nossas vidas,
O Zi, que tinha o hábito de acampar com
os pais, trouxe o “Guia do Campista” para podermos estudar bem o que o parque
de campismo tinha, de serviços, para oferecer. Eu tinha uma vaga ideia da
localidade, uma vez que tinha lá passado férias, com os meus pais, em criança. O
Zen era o “McGuiver” do grupo e também já tinha acampado, para além de ser o
dono da tenda e o Lei, uma vez que já tinha sido escuteiro, era o
“especialista” na avaliação do terreno.
A lista do material a transportar foi
escrita. Eu comprei uma mochila de campismo, um saco cama e um colchão de
espuma. Decidimos levar as bicicletas.
A véspera do grande dia chegou e, no
final da tarde, fomos os quatro para o “Meddle”. Fingimos que dormimos, mas na
verdade passamos a noite a implicar uns com os outros. A manhã raiou e depois
de uma noite não dormida, pegamos nas mochilas e fomos de bicicleta até à
estação. A ida foi feita de comboio até à Marinha Grande. Daí até ao nosso
destino a viagem foi feita de bicicleta.
Após alguns quilómetros a pedalar lá
chegámos à Praia de Vieira de Leiria. Quatro rapazotes, de bicicleta e mochila
às costas chegaram à entrada do parque de campismo. Tínhamos constactado que havia
lugares livres dentro do parque de campismo. Ao tentarmos fazer o registo para
montarmos a tenda naquele parque de campismo, fomos informados pela senhora da
recepção:
- O Parque está lotado. Não há vagas
para montarem tenda.
Argumentamos que tínhamos avistado
diversos lugares livres, no entanto a senhora mostrou-se irredutível em nos
deixar entrar no Parque. Sugeriram-nos que montássemos a nossa tenda no pinhal
do outro lado da rua, onde estava a casa do Guarda Florestal. Assim fizemos.
Após nos termos comprometido a não criarmos problemas, lá o senhor nos deixou
armar a tenda do Zen. Uma tenda com capacidade para três adultos onde dormiram
quatro adolescentes.
Sendo esta a primeira vez que nos
ausentamos sozinhos, a minha mãe, a do Zi e a do Zen colocaram-nos a condição
de, todos os dias, pelas oito horas da noite, telefonarmos para casa.
O telefone mais próximo do sítio onde
tínhamos a tenda ficava a cerca de três quilómetros.
A primeira noite contou com a nossa
presença no telefone, à vez, a comunicar para casa que tudo estava bem. No
entanto, na segunda noite resolvemos, por unanimidade, que todos os dias, ir
telefonar, nos dava muito trabalho. Nessa noite não fomos.
Pouco tempo passava das vinte e três
horas, quando começamos a escutar umas vozes familiares que chamavam pelos
nossos nomes. Saímos da tenda e deparamo-nos com a minha mãe, a do Zen e a do
Zi, carregadas com sacos de comida e que tinham vindo à nossa procura, uma vez
que não tínhamos telefonado. Levámos um ralhete, mas ganhámos a confiança de não
ter de telefonar todas as noites.
A semana de férias, a porca e
irresponsável semana de férias passou rapidamente. Semana porca de férias,
porque apenas se tomou banho de água limpa, nos balneários municipais, uma vez.
Irresponsável porque muitas vezes, ao longo da semana, bebemos água retirada de
um poço a céu aberto de onde o senhor Guarda Florestal tirava, também, água para dar aos animais, um porco, duas vacas,
dois cães, algumas galinhas e patos.
Foi uma semana de férias fantástica.
Divertimo-nos, conhecemos muitas pessoas, entre elas uns franceses, ou melhor,
dois irmãos portugueses emigrados em França, um deles casado com uma francesa.
Tinham um filho pequeno. Quando se foram embora deram-nos a comida toda que
tinham, deram-nos uma mesa de campismo e uma cadeira também, que um dia se
partiu com o Lei lá sentado, deixando-o preso, o que produziu em nós uma enorme
risada.
O regresso a casa foi feito de
bicicleta, mas o Zen não veio connosco. A sua bicicleta avariou-se e teve de
vir de automóvel.
Estas férias marcaram, definitivamente,
o início de uma caminhada por ruas muito diferentes da rua onde, até agora,
brincávamos.
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