segunda-feira, agosto 10, 2015

As férias da Praia de Vieira de Leiria

Estávamos todos os quatro, eu, o Zen, o Zi e o Lei, muito entusiasmados e excitados com a primeira viagem que íamos fazer. Apenas nós os quatro, sem pais e sem adultos.

Tínhamos o hábito de nos encontrarmos em minha casa quando nos reuníamos para irmos até ao centro da cidade. Utilizávamos a frase “às tantas horas em casa do Miguel Branco”. No entanto, se o encontro dos amigos se passava numa tarde de sábado, ele acontecia num pequeno espaço que tínhamos arranjado no sótão da casa do Zen. Aí dizíamos isso mesmo, que nos encontramos “no sótão do Zen.”

O “sótão do Zen” era um espaço que se situava, como todos os sótãos, sobre a casa da mãe do Zen. Um sótão, portanto, mas cuja entrada e acesso se fazia pelo exterior da casa. Tínhamos arranjado materiais, grande parte deles comprados com as nossas economias, outras oferecidas por alguns conhecidos. Com o nosso trabalho erguemos no pequeno sótão uma espécie de clube privado, onde fazíamos umas festas e ao qual, por sugestão, creio eu, do Zi, demos o nome de “Meddle”, título de um álbum dos Pink Floyd.

Nessa noite o “Meddle” foi a casa de nós os quatro. Não era o “sótão do Zen”, mas sim o “Meddle”, o quartel-general de quatro adolescentes, um com 14 anos de idade, eu, e ou restantes com 13 anos de idade. Foi o “Meddle” que testemunhou a ansiedade de quatro rapazes que passaram uma noite em claro, à espera que o relógio marcasse as sete horas da manhã.

Estávamos no ano de 1984, o ano que marcou definitivamente a nossa emancipação. Caminhando agora numa rua diferente, estes eram os quatro elementos que estavam quase sempre juntos. Digo quase, porque não dormíamos nem almoçávamos juntos. Bem, desde este dia passamos muitas vezes, também, a almoçar juntos. Desde o dia seguinte a esta noite, eu, o Zen, o Zi e o Lei passamos uma semana a dormir juntos, dentro de uma tenda para três pessoas. Quatro adolescentes, uma tenda para três pessoas, quatro bicicletas e muita vontade de avançar para o desconhecido.

A preparação das férias fez-se ao longo de duas semanas. Ficou decidido que iriamos estar fora durante uma semana. Aprovação dos pais para avançarmos nesta novidade para as nossas vidas,
 O Zi, que tinha o hábito de acampar com os pais, trouxe o “Guia do Campista” para podermos estudar bem o que o parque de campismo tinha, de serviços, para oferecer. Eu tinha uma vaga ideia da localidade, uma vez que tinha lá passado férias, com os meus pais, em criança. O Zen era o “McGuiver” do grupo e também já tinha acampado, para além de ser o dono da tenda e o Lei, uma vez que já tinha sido escuteiro, era o “especialista” na avaliação do terreno.

A lista do material a transportar foi escrita. Eu comprei uma mochila de campismo, um saco cama e um colchão de espuma. Decidimos levar as bicicletas.

A véspera do grande dia chegou e, no final da tarde, fomos os quatro para o “Meddle”. Fingimos que dormimos, mas na verdade passamos a noite a implicar uns com os outros. A manhã raiou e depois de uma noite não dormida, pegamos nas mochilas e fomos de bicicleta até à estação. A ida foi feita de comboio até à Marinha Grande. Daí até ao nosso destino a viagem foi feita de bicicleta.

Após alguns quilómetros a pedalar lá chegámos à Praia de Vieira de Leiria. Quatro rapazotes, de bicicleta e mochila às costas chegaram à entrada do parque de campismo. Tínhamos constactado que havia lugares livres dentro do parque de campismo. Ao tentarmos fazer o registo para montarmos a tenda naquele parque de campismo, fomos informados pela senhora da recepção:

- O Parque está lotado. Não há vagas para montarem tenda.

Argumentamos que tínhamos avistado diversos lugares livres, no entanto a senhora mostrou-se irredutível em nos deixar entrar no Parque. Sugeriram-nos que montássemos a nossa tenda no pinhal do outro lado da rua, onde estava a casa do Guarda Florestal. Assim fizemos. Após nos termos comprometido a não criarmos problemas, lá o senhor nos deixou armar a tenda do Zen. Uma tenda com capacidade para três adultos onde dormiram quatro adolescentes.

Sendo esta a primeira vez que nos ausentamos sozinhos, a minha mãe, a do Zi e a do Zen colocaram-nos a condição de, todos os dias, pelas oito horas da noite, telefonarmos para casa.

O telefone mais próximo do sítio onde tínhamos a tenda ficava a cerca de três quilómetros.

A primeira noite contou com a nossa presença no telefone, à vez, a comunicar para casa que tudo estava bem. No entanto, na segunda noite resolvemos, por unanimidade, que todos os dias, ir telefonar, nos dava muito trabalho. Nessa noite não fomos.

Pouco tempo passava das vinte e três horas, quando começamos a escutar umas vozes familiares que chamavam pelos nossos nomes. Saímos da tenda e deparamo-nos com a minha mãe, a do Zen e a do Zi, carregadas com sacos de comida e que tinham vindo à nossa procura, uma vez que não tínhamos telefonado. Levámos um ralhete, mas ganhámos a confiança de não ter de telefonar todas as noites.

A semana de férias, a porca e irresponsável semana de férias passou rapidamente. Semana porca de férias, porque apenas se tomou banho de água limpa, nos balneários municipais, uma vez. Irresponsável porque muitas vezes, ao longo da semana, bebemos água retirada de um poço a céu aberto de onde o senhor Guarda Florestal tirava, também, água  para dar aos animais, um porco, duas vacas, dois cães, algumas galinhas e patos.

Foi uma semana de férias fantástica. Divertimo-nos, conhecemos muitas pessoas, entre elas uns franceses, ou melhor, dois irmãos portugueses emigrados em França, um deles casado com uma francesa. Tinham um filho pequeno. Quando se foram embora deram-nos a comida toda que tinham, deram-nos uma mesa de campismo e uma cadeira também, que um dia se partiu com o Lei lá sentado, deixando-o preso, o que produziu em nós uma enorme risada.

O regresso a casa foi feito de bicicleta, mas o Zen não veio connosco. A sua bicicleta avariou-se e teve de vir de automóvel.


Estas férias marcaram, definitivamente, o início de uma caminhada por ruas muito diferentes da rua onde, até agora, brincávamos.

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