sexta-feira, setembro 25, 2015

Atropelamento


Obrigado, amigo pedreiro
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Existe e sempre irá existir um preconceito instaurado sobre determinadas pessoas e profissões. Na minha rua, na minha primeira rua, isso também acontecia. Vivia lá uma família, humilde, em que o filho, rapaz para uns dezasseis ou dezassete anos de idade, já tinha deixado de estudar, trabalhando na construção civil para ajudar os pais. Recordo-me que alguns pais nos diziam para não falarmos para ele porque era «pedreiro».

Entre o grupo de casas onde estava integrada a casa dos pais do Vitinho e o grupo de casas onde não vivia ninguém, havia um beco. Ficava mesmo na direcção do beco que estava entre a casa do avô da Raquel e o prédio onde vivia o Zé e a Anabela, do outro lado da rua. Rua de um só sentido, percebi mais tarde, porque com seis anos de idade não damos atenção a esses pormenores. A rua só se descia.

Estávamos uns quatro no beco da casa do Vitinho. Um deles, o mais velho, já com dez anos, era o João Ranhoso. Como era o mais velho e até já fumava, ainda que às escondidas, o João batia-nos sempre que chamávamos-lhe de João Ranhoso. Naquele dia, ali estávamos os quatro quando, de repente, o João deu mais uma grande fungadela, puxando para o interior do seu nariz um enorme muco verde que se estava a libertar.

 -  João Ranhoso. – gritei, ao que ele deu inicio a uma corrida atrás de mim para me bater.

 Eu era um dos que corria mais rápido da minha rua. Quando o João Ranhoso começou a correr, eu corri também para fugir dele. Corri em direcção à rua que estava entre aquele beco e o beco que ficava entre a casa do avô da Raquel e o prédio do Zé. Quando estava quase a chegar á estrada, ouvi um apito de um carro, mas não percebi se o carro vinha de cima ou de baixo, uma vez que nem imaginava que apenas se descia a rua. Eu não queria era ser agarrado pelo João, pois se fosse, ele iria bater-me. Não parei. Corri para a estrada e, nesse momento, um carro que descia a rua acertou-me, atropelando-me. Fui projectado para o outro lado da rua, indo embater com o queixo no lancil do passeio. Fartei-me de chorar. Todos fugiram, até o João Ranhoso.

Estendido no chão, a chorar, apenas fui ajudado pelo «pedreiro» que, ao assistir ao acidente, correu para mim, pegou-me ao colo e levou-me, a correr, para casa. Atrás dele vaio a senhora que me atropelou.

-  O menino está bem? – perguntava muito aflita. – Atravessou-se, que nem o vi. Deixe-me levá-lo ao hospital. – dizia, aflita.


Agarrei-me ao pescoço da minha mãe e só dizia que não com a cabeça. E como nos anos setenta era assim, não fui. Não parti nada, mas fiquei com tantas dores no maxilar que estive semanas que mal conseguia abrir a boca. As refeições eram todas líquidas e dadas através de uma palha. Desde esse dia passei a ter cuidado ao atravessar a estrada.

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