Obrigado, amigo pedreiro
.
Existe e sempre irá existir um
preconceito instaurado sobre determinadas pessoas e profissões. Na minha rua,
na minha primeira rua, isso também acontecia. Vivia lá uma família, humilde, em
que o filho, rapaz para uns dezasseis ou dezassete anos de idade, já tinha
deixado de estudar, trabalhando na construção civil para ajudar os pais.
Recordo-me que alguns pais nos diziam para não falarmos para ele porque era
«pedreiro».
Entre o grupo de casas onde estava
integrada a casa dos pais do Vitinho e o grupo de casas onde não vivia ninguém,
havia um beco. Ficava mesmo na direcção do beco que estava entre a casa do avô
da Raquel e o prédio onde vivia o Zé e a Anabela, do outro lado da rua. Rua de
um só sentido, percebi mais tarde, porque com seis anos de idade não damos
atenção a esses pormenores. A rua só se descia.
Estávamos uns quatro no beco da casa
do Vitinho. Um deles, o mais velho, já com dez anos, era o João Ranhoso. Como era
o mais velho e até já fumava, ainda que às escondidas, o João batia-nos sempre
que chamávamos-lhe de João Ranhoso. Naquele dia, ali estávamos os quatro
quando, de repente, o João deu mais uma grande fungadela, puxando para o
interior do seu nariz um enorme muco verde que se estava a libertar.
- João
Ranhoso. – gritei, ao que ele deu inicio a uma corrida atrás de mim para me
bater.
Eu era um dos que corria mais rápido
da minha rua. Quando o João Ranhoso começou a correr, eu corri também para
fugir dele. Corri em direcção à rua que estava entre aquele beco e o beco que
ficava entre a casa do avô da Raquel e o prédio do Zé. Quando estava quase a
chegar á estrada, ouvi um apito de um carro, mas não percebi se o carro vinha
de cima ou de baixo, uma vez que nem imaginava que apenas se descia a rua. Eu
não queria era ser agarrado pelo João, pois se fosse, ele iria bater-me. Não
parei. Corri para a estrada e, nesse momento, um carro que descia a rua acertou-me,
atropelando-me. Fui projectado para o outro lado da rua, indo embater com o
queixo no lancil do passeio. Fartei-me de chorar. Todos fugiram, até o João
Ranhoso.
Estendido no chão, a chorar, apenas
fui ajudado pelo «pedreiro» que, ao assistir ao acidente, correu para mim,
pegou-me ao colo e levou-me, a correr, para casa. Atrás dele vaio a senhora que
me atropelou.
- O
menino está bem? – perguntava muito aflita. – Atravessou-se, que nem o vi.
Deixe-me levá-lo ao hospital. – dizia, aflita.
Agarrei-me ao pescoço da minha mãe e
só dizia que não com a cabeça. E como nos anos setenta era assim, não fui. Não
parti nada, mas fiquei com tantas dores no maxilar que estive semanas que mal
conseguia abrir a boca. As refeições eram todas líquidas e dadas através de uma
palha. Desde esse dia passei a ter cuidado ao atravessar a estrada.
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