É sabido que nos comboios regionais não existem lugares marcados. Os passageiros compram o seu bilhete, escolhem a carruagem onde querem viajar, embarcam e, já no interior da composição, optam por um dos muitos lugares disponíveis para se sentarem, excepto pelos que estão destinados a determinadas pessoas, como idosos, deficientes motores ou grávidas - se bem que, penso muitas vezes que, não sendo idosos ou deficientes físicos, muitas são as senhoras que devem estar grávidas de algumas horas ou minutos...
Até aqui tudo bem, cada um é livre de escolher onde se quer sentar, desde que o lugar esteja livre.
Acontece que, tal como no estacionamento defronte do prédio - para quem habita em prédio -, cada vizinho já sabe o lugar que cada um ocupa, no comboio o processo de "aquisição" de lugares é mais ou menos idêntico; as pessoas vão entrando e sentando-se, grosso modo, sempre no mesmo lugar; é reconhecida uma legitimidade de lugar adquirido. Mas, quando surge alguém novo no comboio, não sendo conhecedor dos "lugares adquiridos", será normal acabar por invadir lugar alheio.
Quando iniciei a minha tarefa de comboieiro, nas minhas primeiras viagens, andei às "apalpadelas", na descoberta de lugares virgens ou pelo menos não reclamados; hoje identifico uns quantos lugares, na carruagem onde opto por viajar, sem dono ou de utilizador ocasional. Vou vagueando, qual vagabundo sem poiso, entre dois ou três lugares, não rotinando; penso mesmo se não estarei a ter um comportamento canino, na marcação de diversos territórios.
Utilizo, na minha deslocação diária, um comboio composto por três composições. Não sei a razão, porque não deve haver nenhuma em particular, pelo menos consciente, mas viajo na carruagem do meio - dizem que no meio é que está a virtude, deve ser por isso. (ah!ah!ah!)
A carruagem do meio só tem uma porta de acesso ao interior - de cada lado da carruagem -. Quando entro viro à esquerda e, desse lado, existem dois pontos libertos de dono fixo; os quatro primeiros lugares do lado direito e os seis últimos lugares do lado esquerdo. Nos restantes lugares, existem "residentes". No conjunto de dois lugares, mesmo atrás do conjunto livre de seis lugares, costuma sentar-se uma senhora loira, que entra, talvez, umas três ou quatro paragens após a minha. Senta-se sempre naquele lugar.
Na paragem onde entro, costumam entrar outros passageiros. Costuma entrar, inserida nesse conjunto de passageiros, uma senhora morena, entre outras senhoras morenas. Essa senhora, em particular, costuma deslocar-se para a última carruagem.
Acontece que, num destes dias, porém, após ter entrado na última carruagem, como é seu hábito, e porque certamente não encontrou algum lugar que a satisfizesse, deslocou-se para a carruagem do meio e foi ocupar o lugar que, normalmente, é propriedade da loira. Quando chegamos à paragem de entrada da loira, esta entrou e começou a deslocar-se, ao longo da coxia, em direcção ao seu lugar.
Ao se aperceber que o "seu" lugar estava ocupado, lançou um olhar fulminante sobre a morena, olhar esse que se foi mantendo ao longo da curta viagem de cerca de 20 minutos, pelo menos durante algumas vezes, as que olhei discretamente sobre o ombro, tentando perceber a reacção da loira que teve de se sentar num outro lugar, também para dois ocupantes, mas do lado contrário ao seu habitual.
Como veem, no comboio existem lugares residentes. Não me apercebi se a loira colocou algum post-it a informar - "Este lugar é meu - Loira" - o que é certo é que a morena nunca mais ali se sentou.
Sem comentários:
Enviar um comentário