Quando
o telefone tocou na Central, o agente Simões, Sargento de patente, homem com
mais de vinte anos de serviço à Guarda, não fazia ideia do que aquele dia lhe
reservava.
-
Posto da Guarda, bom dia! – começou por dizer, num atendimento rotineiro, o
agente Simões.
-
Bom dia, Sargento! – cumprimentou a voz do outro lado da linha – Quem lhe está
a ligar é o barbeiro Américo. – informou – Quero denunciar um homicídio. –
avançou – Matei um cliente. Fez uma pausa – Estou na barbearia à vossa espera.
Costumes
era uma pequena vila com pouco mais de quatro mel habitantes, pacata, sem
historial de criminalidade violenta e pouca referência de criminalidade leva.
De tal modo assim era, que o pequeno posto da Guarda era assegurado pelos dois
únicos militares que desenvolviam a autoridade, o Sargento Simões e o Cabo
Albertino, num horário entre as 8 horas e as 17 horas; fora de horas o contacto
com os homens da lei, o contacto era efectuado através de um telemóvel que os
acompanhava, à vez.
Entre
outras personalidades, o barbeiro Américo era um dos elementos da vila que
todos conheciam e por quem tanto apresso nutriam. Era de senso comum o seu
reconhecimento social como alguém altruísta, de carácter ponderado, bom
conversador. Viúvo, perdera a mulher ainda jovem – com pouco mais de 30 anos de
idade – e não lhe fora conhecida mais nenhuma companheira de vida. Como não
havia tido filhos, após o falecimento do seu irmão e cunhada num acidente de
viação, ficou tutor do seu sobrinho único, um adolescente de 15 anos de idade,
revoltado com a partida prematura dos seus progenitores, e a quem Américo
prometera proteger como se seu filho biológico se tratasse.
-
Está tudo bem, meu Sargento? – indagou o Cabo, constatando o semblante do seu
superior.
-
Mais ou menos… - disse, enquanto se levantava e agarrava no seu boné. - Era o
barbeiro Américo ao telefone a confessar um homicídio.
-
Um homicídio? – preplexisou-se o Cabo Albertino – O barbeiro Américo?!
--
Diz que tem o corpo lá na barbearia e que está à nossa espera.
Os
dois agentes abandonaram o posto – fechando a porta nas costas – e dirigiram-se
ao jipe Land Rover de 1987 que se encontrava estacionado num terreno contíguo
ao edifício. Debaixo do braço, o Sargento prendia uma pequena pasta com algumas
folhas e uma caneta. O Cabo Albertino sentou-se ao volante e, deixando uma
nuvem de fumo para trás, seguiram em direcção à barbearia.
Toc!
Toc! Toc!
Quando
escutou baterem à porta, o barbeiro Américo percebeu, pela silhueta que se
desenhava na cortina corrida, que se tratava dos agentes da Guarda. Dirigiu-se
à porta, abrindo-a, permitindo que entrassem, fechando-a de seguida.
-
Está ali, o homem! – apontou, com o dedo apontador da mão direita, na direcção
de um corpo que jazia no chão, repleto de sangue, junto à cadeira de serviço.
O
Sargento aproximou-se e, agachando-se, tentou perceber se ainda haveria
pulsação.
-
É, está morto! – concluiu, acrescentando – Cabo, vamos precisar aqui dos
bombeiros, da Policia Criminal e do Delegado de Saúde. – olhou o relógio e
apontou as horas no seu bloco – Trate disso, por favor!
-
Sim, senhor! – respondeu o Cabo, dando inicio a um conjunto de telefonemas.
-
Quem é a vitima? – indagou o Sargento o barbeiro Américo.
-
Um homem que não é da vila.
-
Sim, esta cara não conheço. – disse o Guarda – Quer contar-me o que aconteceu?
O
barbeiro olhou o Sargento, olhou o corpo estendido no chão e voltou a olhar na
direcção do agente da autoridade, respondendo – Não me parece necessário.
Matei-o, confesso o crime, assumo o homicídio.
-
Seria importante para a investigação sabermos a razão de tal acto… - fez uma
pausa - … aceleraria a conclusão do mesmo.
-
Entedo!
-
Não me quer, então, contar o que se passou?
-
Este homem apareceu aqui e quando me preparava para lhe colocar a espuma para o
corte da barba, começou a ofender-me. Cortei-lhe a garganta com a navalha de
fazer a barba. – olhou a navalha, que se encontrava sobre a banca,
ensanguentada – Está ali, a arma do crime. – fez um movimento de cabeça na
direcção do artefacto.
Meia-hora
após a chegada ao local do crime, o Sargento Simões deu ordem de prisão ao
barbeiro Américo, poucos minutos após o surgimento da Policia Criminal, que
viera analisar a cena do crime e recolher indícios.
Chegado
ao posto e após ter sido dactilografada a declaração de culpa do barbeiro
Américo, foi-lhe entregue o documento para que o lese e assinasse. Assim o fez.
Após ler o escrito, esticou o braço direito e, pegando na caneta que se
encontrava sobre a mesa, firmou a declaração de culpa.
Pouco
mais de um mês após o homicídio, chegou ao Ministério Público o resultado da
autópsia. Confirmara-se a morte por degolamento da vítima, confirmava-se a
navalha da barba como objecto utilizado para desferir o corte fatal, no entanto
havia algo que não coincidia com o relatório policial; segundo o relatório da
Policia Criminal, o suspeito era dextro e na reconstituição do crime, ele
afirmara que segurara a vitima pelos cabelos com a mão esquerda e que havia
cortado a garganta num movimento da esquerda para a direita. Já o relatório
pericial da autópsia indicava que o corte tinha sido executado da direita para
a esquerda. Ou seja, o assassino era canhoto.
Após
algumas diligências, o barbeiro Américo foi libertado. Devido a problemas de
saúde, foi sujeito a internamento hospitalar. Uma pneumonia acabara por
tirar-lhe a vida.
Não
tendo mais família que não o seu sobrinho, este tornara-se o único herdeiro de
todos os bens e poupanças de Américo. O rapaz, agora homem de 22 anos de idade,
fora chamado ao posto da Guarda para assinar um documento relativo à posse
administrativa do negócio da barbearia, o Sargento Simões apresentou o
documento sobre a mesa, assim como uma caneta. O herdeiro, sobrinho de Américo,
pegou a caneta com a mão esquerda e assinou o documento.
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