quinta-feira, julho 02, 2020

50 anos de sabedoria


Ao longo do nosso caminho existem check-points que adquirem maior relevância - comparativamente a outros, como se os outros não tivessem igual preponderância. Falo-vos da idade de vida, aquela que vai marcando no corpo as experiências da vivência, as vicissitudes do trajecto, os capítulos da história.

O dia em que nascemos marca o ponto inicial da expiral. A cada trezentos e tal dias - e digo "tal dias", porque os anos não são todos iguais - existe uma passagem pelo ponto de referência, sendo essa passagem - por norma - comemorada. Acontece que há capítulos desses que têm maior conteúdo representativo para o espécime do que outros.

 O primeiro ano da experiência de vida é sempre aquele que evoca enorme comemoração. Afinal é a primeira volta completa da expiral. Junta-se a família e os amigos mais próximos, organiza-se uma festa - até no máximo 20 pessoas, actualmente - com milhares de doces, afoga-se a criancinha em presentes fora do contexto da idade e nem daí a vinte anos vai olhar para eles.

Posteriormente a essa primeira volta de vida, apesar de nos anos seguintes continuar a haver festa, bolos e bebidas gaseificadas, e mais umas cervejas para os amigos do pai e Baileys para as amigas da mãe, é aos 6 anos de idade que volta a ocorrer "aquela" comemoração. Porque? Porque é a idade que marca a ida da criança para o ensino primário. Nem a entrada no infantário faz esta marcação, porque nem todas as crianças vão para o infantário e, as que vão, não vão todas na mesma idade.

De seguida existe uma travessia do deserto. Não que não ocorram momentos relevantes, mas nenhum deles está directamente associado a uma idade específica; são acontecimentos aleatórios. 

A próxima grande data são os 16 anos. Essa é a idade em que temos a sensação de termos passado para o outro lado do rio, de termos abandonado o conceito de criança e começarmos a abraçar o de uma postura mais adulta - na verdade essa idade está representada por uma mescla de posturas, entre a criancice e a responsabilidade. Mas é igualmente esta idade que marca a possibilidade de surgir uma inscrição numa escola de condução para aquisição de uma carta de moto 125 cm3.

Após os 16 anos de idade, são os 18 anos de vida que marcam o novo momento. Ainda estamos a usufruir da sensação de já sermos mais responsáveis, quando a maioridade nos surge no caminho. Este é um momento do vórtice da nossa existência que classificamos como "GRANDIOSO"; um dos grandes de toda a nossa vida, como vão passar, daqui para diante, a haver poucos. 

É aos 18 anos que atingimos, então, a tal maioridade. A idade de adulto, a responsabilidade suprema, pensamos. Esta é a idade em que podemos exercer o direito de voto, a idade em que julgamos sermos donos do nosso nariz, mas não somos - pelo menos enquanto formos economicamente dependentes dos nossos pais. 

Quando chega o dia de comemorar os 18 anos, reunimos os amigos e fazemos uma grande festa, com a máxima de, Não é todos os dias que se faz 18 anos. É - ou deveria ser - sem dúvida um dia que recordaremos para o resto da nossa vida; aquele dia.

Os 20 anos marca a entrada numa nova década - que não é comemorado aos 10 anos - e nada mais do que isso, assim como os 30 anos ou até mesmo os 40 anos. São três décadas que passam, a correr, sem que haja uma marca comum. Sim, há as individuais, como a formatura académica, o casamento e o nascimento dos filhos. Mas essas são datas que marcam as gerações de forma mais individual. A próxima grande passagem vem depois.

50 anos de vida. meio século de caminho, cinco décadas de sabedoria. Esta é grande gílvaz da nossa existência, a quase supremacia, ainda não a eternidade. É a idade em que, tal como aos 18 anos, desejamos juntar os amigos e a família, organizar uma festa, receber um abraço e uma garrafa de vinho branco. Aos 50 anos recebemos uma medalha de mérito, somente pelo facto de termos alcançado aquela meta.

Este ano de 2020 completei 50 anos de vida. Alcancei o patamar. Cheguei lá. Mas a reunião de amigos não aconteceu. A culpa foi da pandemia, que em Abril nos confinou e não permitiu o ajuntamento, dirão alguns, numa justificação tonta e que nada de bom proporciona. É que na verdade, o telefonema que dizia, Está a ficar velhota, amigo!, não foi mais do que meia-dúzia de pessoas, entre elas família. 

E eu que julgava - ingenuamente - ter mais amigos. 

O copo de vinho não foi erguido e bebido e o abraço com as palmadas nas costas não ocorreu. É com mágoa que escrevo estas palavras, sim, mas na realidade é uma verdade que eu já saberia mas não desejava reconhecer; é que na marca dos 18 anos, aquela que nos cicatriza para a vida, também apenas fomos seis - eu e cinco amigos - que comemoramos a passagem. 

Após a marca dos 50 anos de sabedoria, o próximo objectivo não é para todos e marca a eternidade. Penso mesmo que, após os 50, o grande objectivo passa a ser volta a volta, sem uma comemoração visível e deslumbrante.

Terão de passar mais cinquenta primaveras sobre as cinquenta que já se esgotaram para alcançarmos os 100 anos de vida, o século de história e igualar o fabuloso livro de Gabriel Garcia Marquez, "Cem anos de Solidão", essa solidão que todos sentimos tantas vezes ao longo da nossa caminhada. 

Mas não sendo para todos esta marca, nem todos lá estarão.




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