Um dia a Srª Francisca, sismada com perlongada ausência do seu cliente matinal pegou no telefone e, número após número, digitou o número de telefone do trabalho de Jeronimo. Do outro lado da chamada apenas obteve como resposta "O Sr. Dr. não se encontra nas instalações".
Passaram-se meses sem que se visse ou tivesse noticias de Jeronimo. Algo se passava, essa era uma certeza. Por mais que tentasse obter informações, a Srª Francisca não conseguia qualquer resposta. Decidida, tocou à campainha do Jeronimo. Sem sucesso. Ninguém contestou tal intento.
Certo dia, ao deslocar-se para a sua pastelaria, deveriam ser umas 6 horas da madrugada, a Srª Francisca viu um vulto sentado no chão junto ao edificio das Finanças. Do outro lado da rua, intrigada, a Srª Francisca aproximou-se daquele ser que ali se encontrava, pela estranhesa de nunca o ter visto por ali.
Ao chegar perto, deparou-se com um homem de aspeto cadavérico, onde os ossos faciais se encontravam emergidos por uma mórbida magreza. Dirigindo-lhe a palavra, não obteve resposta alguma. Insistindo na oferta de auxilio, obteve um fugaz olhar vindo daquela alma que, ali ao frio, se encontrava tombada na calçada.
Aquele olhar foi um raio de sensações estranhas que lhe rasgaram o peito e trespassando-lhe o coração, fizeram-na momentaneamente, perder as forças, num espasmo que lhe percorreu o corpo imenso.
"Sr. Doutor!" - foram as palavras que lhe saíram e, num impulso, largando o que trazia nas mãos lançou-se em ajuda ao seu "amigo" Jeronimo.
Jeronimo aparecera ao final de meses de enigmática ausência.
Ajudando-o a levantar-se, levou Jeronimo até á pastelaria. Preparou-lhe um pequeno-almoço. Aquele pequeno-almoço. Mas ao que diz, ele não lhe tocou. Resolveu então chamar os serviços de emergência médica.
Jeronimo foi levado para o hospital onde ficou internado durante algum tempo, pois encontrava-se desidratado, com ferimentos e muito debilitado.
Após longa estadia de internamento, Jeronimo recebeu alta hospitalar, podendo regressar a sua casa, no entanto, abandonou o seu lar passando a viver na rua.
Hoje passei pelo Jeronimo. Lá ia ele, no seu metro e oitenta e tal, no silêncio que ganhou na voz desde o seu desaparecimento. Lá ia o Jeronimo com umas sandálias a calçar os pés com ar de cansados que outrora foram "revestido" por belos sapatos de couro. No lugar do habitual fato e gravata, agora estão umas velhas calças de bombazine de cor castanho gasto, e uma camisola de lã em tom esverdeado com alguns buracos expostos. Com a barba por desfazer, na cabeça ostentava uma boina preta muito encardida.
Olhei o Jeronimo de frente e ele trespassou-me o olhar com o seu olhar profundo no tempo, infinitivo na razão, na vontade própria, nos porquês de tão violenta alteração de vida.
Trespassou-me com o olhar triste de quem procura algo, mas não sabe o quê ou onde. trespassou-me com uma enorme tristeza na expressão, aguardando algo que ninguém sabe o quê. deixou de aceitar a ajuda da Sr.ª francisca ou do Barbeiro, Sr Tomé.
Perguntei se lhe podia ser útil, na esperança que emitisse um som, um pedido de ajuda, algo. Contornando-me, lá foi rua abaixo arrastando os pés num compasso sem ritmo, sem vida.
Fiquei a olhá-lo naquela sua odisseia, naquela sua epopeia e, sem palavras, senti uma enorme angustia.
E chegando ao final da rua, o Jeronimo num esguio olhar, cruzou o seu com o meu e num movimento descoordenado abanou a cabeça numa negação que não percebi e, agachando-se lentamente, do chão apanhou uma ponta de cigarro que levou à boca. Ao virar da esquina desapareceu do meu raio de visão.
Mais um dia e outro dia mais. Mais silêncio, dor, amargura e sofrimento esbatido na face de uma pessoa, um Homem que já teve tudo e agora, vai lá saber-se porquê, não tem o mais elementar, Uma vida emocionalmente estável e serena.
texto: Jorge Ortolá
"Sr. Doutor!" - foram as palavras que lhe saíram e, num impulso, largando o que trazia nas mãos lançou-se em ajuda ao seu "amigo" Jeronimo.
Jeronimo aparecera ao final de meses de enigmática ausência.
Ajudando-o a levantar-se, levou Jeronimo até á pastelaria. Preparou-lhe um pequeno-almoço. Aquele pequeno-almoço. Mas ao que diz, ele não lhe tocou. Resolveu então chamar os serviços de emergência médica.
Jeronimo foi levado para o hospital onde ficou internado durante algum tempo, pois encontrava-se desidratado, com ferimentos e muito debilitado.
Após longa estadia de internamento, Jeronimo recebeu alta hospitalar, podendo regressar a sua casa, no entanto, abandonou o seu lar passando a viver na rua.
Hoje passei pelo Jeronimo. Lá ia ele, no seu metro e oitenta e tal, no silêncio que ganhou na voz desde o seu desaparecimento. Lá ia o Jeronimo com umas sandálias a calçar os pés com ar de cansados que outrora foram "revestido" por belos sapatos de couro. No lugar do habitual fato e gravata, agora estão umas velhas calças de bombazine de cor castanho gasto, e uma camisola de lã em tom esverdeado com alguns buracos expostos. Com a barba por desfazer, na cabeça ostentava uma boina preta muito encardida.
Olhei o Jeronimo de frente e ele trespassou-me o olhar com o seu olhar profundo no tempo, infinitivo na razão, na vontade própria, nos porquês de tão violenta alteração de vida.
Trespassou-me com o olhar triste de quem procura algo, mas não sabe o quê ou onde. trespassou-me com uma enorme tristeza na expressão, aguardando algo que ninguém sabe o quê. deixou de aceitar a ajuda da Sr.ª francisca ou do Barbeiro, Sr Tomé.
Perguntei se lhe podia ser útil, na esperança que emitisse um som, um pedido de ajuda, algo. Contornando-me, lá foi rua abaixo arrastando os pés num compasso sem ritmo, sem vida.
Fiquei a olhá-lo naquela sua odisseia, naquela sua epopeia e, sem palavras, senti uma enorme angustia.
E chegando ao final da rua, o Jeronimo num esguio olhar, cruzou o seu com o meu e num movimento descoordenado abanou a cabeça numa negação que não percebi e, agachando-se lentamente, do chão apanhou uma ponta de cigarro que levou à boca. Ao virar da esquina desapareceu do meu raio de visão.
Mais um dia e outro dia mais. Mais silêncio, dor, amargura e sofrimento esbatido na face de uma pessoa, um Homem que já teve tudo e agora, vai lá saber-se porquê, não tem o mais elementar, Uma vida emocionalmente estável e serena.
texto: Jorge Ortolá
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