domingo, agosto 09, 2015

Cartas de amor

A ida para a escola veio a revelar-se uma enorme vantagem no campo afectivo. Aprender a escrever foi um salto exponencial na possibilidade de contacto, recorrendo ao silêncio, mas com a possibilidade de transmitir emoções.

O segundo ano de escolaridade do ensino básico, na ocasião chamado de segunda classe, com o saber adquirido ao longo do ano anterior, já se ia conseguindo criar algumas frases, ainda que pequenas. Entre mim e a Raquel havia uma aproximação tímida, envergonhada e escondida um do outro, pelo menos no discurso directo, pois no discurso do mensageiro «Ela diz que gosta de ti» e «Ele diz que gosta de ti». Deste passo à escrita foi um salto enorme.

A sala de aula era um pré-fabricado a que nós chamávamos de galinheiro. A classe era composta por vinte alunos, rapazes e raparigas. A sala tinha duas filas de sete secretárias, daquelas em madeira com tampo inclinado e que dava para dois alunos. A Raquel estava na quarta carteira da fila do lado esquerdo, sentada à direita e eu na quinta carteira do lado direito, sentado no lugar da esquerda. O primeiro bilhete de namoro foi ela quem o enviou. «Gosto de ti», dizia, ao que eu respondi, num outro bilhete, «Também gosto de ti». O método de envio era simples. Quando a professora estava distraída ou a escrever no quadro de ardósia, atirávamos os bilhetes um para o outro, rente ao chão. Bilhetes que passaram a ser cartas, com o avançar do tempo. Cartas que eram guardadas em casa, numa gaveta, supostamente longe da curiosidade da minha mãe que, vim a saber mais tarde, as leu. Um dia, numa dessas cartas, a Raquel escreveu «No intervalo quero um beijo» e eu, todo atrapalhado, mas cheio de coragem, quis dar esse beijo. Mas quis dar tantos que acabei por não dar nenhum.


Quando o ano lectivo terminou, fiquei a saber que ia mudar de cidade. Ninguém me avisou com tempo, para que me pudesse despedir. As minhas aventuras amorosas tinham terminado ali, deixando para trás uma namorada sem lhe ter dito que para o próximo ano já lá não estaria.

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