A ida para a escola
veio a revelar-se uma enorme vantagem no campo afectivo. Aprender a escrever
foi um salto exponencial na possibilidade de contacto, recorrendo ao silêncio,
mas com a possibilidade de transmitir emoções.
O segundo ano de escolaridade do
ensino básico, na ocasião chamado de segunda classe, com o saber adquirido ao
longo do ano anterior, já se ia conseguindo criar algumas frases, ainda que
pequenas. Entre mim e a Raquel havia uma aproximação tímida, envergonhada e
escondida um do outro, pelo menos no discurso directo, pois no discurso do
mensageiro «Ela diz que gosta de ti» e «Ele diz que gosta de ti». Deste passo à
escrita foi um salto enorme.
A sala de aula era um pré-fabricado
a que nós chamávamos de galinheiro. A classe era composta por vinte alunos,
rapazes e raparigas. A sala tinha duas filas de sete secretárias, daquelas em
madeira com tampo inclinado e que dava para dois alunos. A Raquel estava na
quarta carteira da fila do lado esquerdo, sentada à direita e eu na quinta
carteira do lado direito, sentado no lugar da esquerda. O primeiro bilhete de
namoro foi ela quem o enviou. «Gosto de ti», dizia, ao que eu respondi, num
outro bilhete, «Também gosto de ti». O método de envio era simples. Quando a
professora estava distraída ou a escrever no quadro de ardósia, atirávamos os
bilhetes um para o outro, rente ao chão. Bilhetes que passaram a ser cartas,
com o avançar do tempo. Cartas que eram guardadas em casa, numa gaveta,
supostamente longe da curiosidade da minha mãe que, vim a saber mais tarde, as
leu. Um dia, numa dessas cartas, a Raquel escreveu «No intervalo quero um
beijo» e eu, todo atrapalhado, mas cheio de coragem, quis dar esse beijo. Mas
quis dar tantos que acabei por não dar nenhum.
Quando o ano lectivo terminou, fiquei a saber
que ia mudar de cidade. Ninguém me avisou com tempo, para que me pudesse
despedir. As minhas aventuras amorosas tinham terminado ali, deixando para trás
uma namorada sem lhe ter dito que para o próximo ano já lá não estaria.
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