Poema
à Humanidade
Somos
o tempo que marca
A marca do tempo que
temos
A contagem do tempo que
fazemos
Do tempo que ainda falta
Para aquele que queremos
Ou para chegarmos à a
Arca.
Não somos o que
idealizamos
Numa vertigem, loucura,
Numa aprendizagem
inútil,
Que não nos mata ou
perfura,
Mas sim nos enriquece,
A terna bravura.
E que tempo é esse,
então.
Que conta sem cerimónia,
Numa contagem
decrescente,
Ao inverso da razão,
Vai da foz à nascente.
O tempo em desperdício,
Que tantas vezes
colocamos,
Ao invés de o cuidarmos,
Para que dure, prevaleça,
Se prolongue,
enlouqueça,
Nos contemple, com mais
anos!
Jorge
Ortolá
3.9.2019
6.9.2019
Hoje
resolvi dar inicio à escrita deste ensaio sobre “O Tempo”, sem definir um tempo
para o terminar. Quero dele – tempo – usufruir livremente e liberto das amarras
que ele já nos colocou – ou temos sido nós que nos acorrentámos? – e com as
quais nos escraviza, sem que qualquer revolta esbocemos para o contrariarmos; existimos
na linha do tempo, daquele que nos vai restando da contagem decrescente de uma
vida utilitarista.
“O
Tempo”, essa coisa tão abstrata, que o Homem achou por bem – não sei porquê ou
talvez saiba – materializar, é um bem que é pertença de cada um e que cada um
deve usufruir como bem quer e entende.
Assim deveria ser, mas na verdade não é. O meu “Tempo” é usurpado tantas
vezes – maior parte das vezes – pela mais básica tarefa, e eu, estupidamente,
admito que tal aconteça. Estamos integrados numa “Sociedade Consumida” onde a
sua maior riqueza se encontra prostituída a um conjunto de mal-feitores sem
rosto, mas todos com um fim comum; controlar-nos o “Tempo” e dessa forma os
nossos movimentos, gostos, escolhas e enfim, a mente.
Lendo
o que acabei de escrever, até parece que escrevo sobre uma teoria da
conspiração. Mas ao longo desta dissertação, irei abordar diversos momentos
onde sustento a minha tese de que somos prostitutos do “Tempo”, sujeitos aos
seus caprichos e dependentes das suas manias, ainda muitos de nós estejamos
neste preciso momento a dizer que não.
A concepção do Ser
A concepção de um Ser, o novo elemento da família, deveria ser algo executado sem
pressa, sem tempo, sem qualquer pressão inerente ao facto de “e se não
acontecer?”. Mas não é assim que acontece. Começa mal, quando os sexólogos
afirmam que o “Tempo” médio adequado de uma relação sexual – penetração – é de
5,4 minutos; a estes podem adicionar-se mais 5-6 minutos de preliminares –
tempo apontado por diversos estudos – e temos uma relação sexual adequada de
10-11 minutos, tempo médio. Ou seja, no nosso mais íntimo prazer, é-nos
controlado e estipulado o factor “Tempo” que dispomos para fazer “o amor”. E se
o casal não desejar controlar esse tempo e quiser fazer do momento o “espaço
vazio” onde o tempo não existe, onde o cronómetro não conta, a não ser aquele
cujo valor real desconhecemos?
Segundo
outros estudos científicos, após a ejaculação -
que se estima ser efectuada a 18 km/h – os espermatozóides dão inicio a
uma corrida desenfreada em busca da meta final – o óvulo – numa corrida sem
distância, mas sim tempo definido. Após a ejaculação, os espermatozoides têm 10
minutos para, entre si, perceberem quem é o Carlos Lopes ou a Rosa Mota daquele
acto sexual. Cá está; ainda são apenas uns corredores solitários e já lhes
estão a determinar um espaço temporal para a diligência de uma tarefa;
encontrar o prémio da corrida.
Mas
a coisa não fica por aqui. Após encontrar o seu prémio, o espermatozoide campeão – a estatística indica que a maior percentagem é um espermatozoide num
óvulo, havendo pequenas probabilidades que demonstram excepções - tem o árduo trabalho de fecundar a célula
reprodutora feminina. O jovem candidato a “Ser” demora 20 minutos a desenvolver
a perfuração de penetração do óvulo e, após conseguir fazê-lo, demora duas
horas a fecundá-lo. Portanto, mesmo antes de sermos um pequeno embrião que
aspira a tornar-se um Ser humano, já a ciência nos está a roubar o bem mais precioso
que temos, o nosso “Tempo”.
Vida
Intra-uterina
A
polinização marca o início do relógio-biológico, numa frenética multiplicação
de células que vão, em tempo decretado, construindo orgãos atrás de orgãos,
numa moldagem e montagem complexa de ligações e mais ligações. E já aí, sem que
possamos controlar o ritmo da arquitetura da estrutura, apesar de ainda sermos
um singelo embrião, já somos bombardeados por essa maleita que é o “Tempo”.
Se
a construção orgânica não ocorrer dentro do tempo definido, passamos a estar
sujeitos a um qualquer acto correctivo médico, assim como acontece quando mais
tarde a professora nos castiga por nos termos atrasado para o inicio da aula,
sob uma feroz acusação de a estarmos a “...fazer perder tempo.”.
Ocorrendo
tudo como previsto, o nosso “Tempo” limite para estarmos no Spa materno,
quentinhos, sem preocupação aparente, será entre 37 e 42 semanas. A mãe
natureza impõe-nos, logo à partida, a contagem temporal decrescente, sem que
sejamos questionados sobre a validade que queremos atribuir à mesma.
E
quanto a esta experiência de vida – que é curta quando comparada com a
expectativa média para um Ser humano, se nada de estranho ao longo da sua fita
de tempo surgir – e irrepetivel, não haverá muito mais a dizer, se não o facto
de nos rotularem com probabilidades de vida futuras, que nos atribuem títulos,
que nos tatuam no cérebro uma rede de neurónios que poderão condicionar o
futuro.
7.10.2019
A
Prematuridade
Quando
nascemos os adultos têm a mania de afirmarem , continuamente, que temos tempo
para tudo e mais alguma coisa. Primeiro, não é verdade. Depois, quem lhes
atribuiu arbítrio para nos definirem essa horrorozidade que é o “Tempo”? Quando
somos prematuros, os adultos definem-nos incumbências temporais para comer,
para dormir, para estarmos acordados, para fazermos, inclusive, as nossa
necessidades fisiológicas, porque se não fizermos o que seria suposto fazermos
naquele período temporal, as descargas eletricas e químicas que ocorrem nas
suas dendrites, produzem o estranho código de conhecimento “Está com dificuldades
em obrar. O melhor é estimular o rabito com um cotonete.”. Não, pais, não! O
organismo não funciona como um despertador programado ou como uma agenda de
trabalho. O organismo funciona, apenas! E a ideia de ter um cotonete no rabito,
não é a melhor imagem para um bebé.
Quando
somos prematuros, não devemos estar sujeitos à pressão ditadora de adultos mal
formatados. Estamos num processo de plasticidade cerebral e a construção da
nossa rede de neurónios não deve estar sujeita às pressas desgovernadas dos
adultos. Quando somos prematuros, não devemos ser etiquetados com o factor
“Tempo”, ainda que haja quem insista em que “de três em três horas”, devemos, obrigatoriamente, estar com fome. Não, mães! Isso é mito. Quando temos fome,
damos sinal.
Os
pais e o Tempo dos filhos
Os progenitores, apenas pelo facto de terem contribuído, cada um deles, com 23
cromossomas na criação do novo Ser, julgam poderem – ao longo do intervalo que
medeia a aurora do crepúsculo do Ser – definir períodos de tempo intermédios,
desde o mais simples ao mais complexo, desde o “já estás a demorar muito tempo
no banho” ao “quanto tempo mais pensas necessitar para terminar a faculdade?”.
O
“Tempo” está implícito em cada momento da nossa vida – ainda que possa não ser
tão absoluto como se poderá afirmar. Afinal, quantos não são os lugares terráqueos onde se afirma – nunca percebi esta expressão – que são lugares
“onde o Tempo não passa”. Se não passa, não há tempo. E se não há tempo, porque
chega ao fim o momento de prazer de permanecermos em tão idílico local?.
Voltando
ao sub-tema dos Pais e Filhos.
Os
pais – alguns – tentam implementar nos seus filhos atitudes que contrariam a
inércia em que muitos se deixam cair, levando a que demorem tempo em exagero a
desenvolver raciocínio. Há pais – alguns – que organizam a agenda temporal/
diária dos filhos, não lhes atribuindo livre arbítrio para serem os próprios a
fazerem-no. A justificação para tal pode integrar-se na componente cultural, no
entanto tal pode não ser tão explicável, na medida em que mesmo sendo
orientados na vertente temporal pelos pais, jamais deveriam, os filhos, serem
condicionados, sob pena de mais tarde se virem a tornar uns controladores
temporais compulsivos.
Professores
vs Alunos
Cada
um de nós tem o seu ritmo de vida, o seu ritmo de aprendizagem, o seu ritmo de
análise e pensamento, o seu ritmo comportamental. E o facto de não sermos geneticamente iguais, faz com que não tenhamos o mesmo timming de ação. E os pais e os professores devem perceber isso,
ainda que lhes seja atribuído o direito de – nos seus postos de educadores e
formadores – orientarem os seus filhos ou formandos/ alunos para o melhor caminho
com a utilização do tempo mais adequado.
“Depressa
e bem, não há quem!”; “Cadelas apressadas parem cachorros cegos.”; “Roma e
Pavia não se fizeram num dia.”; “Devagar se vai ao longe.”. Tantos outros provérbios poderiam ser evocados para justificarem o tempo que cada um de nós
necessita para desenvolver uma tarefa. Tempo esse que não é tão livre e pessoal
como desejável, uma vez que está limitado às expectativas que os professores
têm sobre os seus alunos, ignorando a diferença e tabelando todos pela mesma
bitola.
O
professor, estando também ele sujeito a um controlo temporal – na apresentação
da matéria, no cumprimento do programa, elaboração de relatórios e resultados –
define ele próprio aos alunos, como se de um cronómetro humano se tratasse,
qual o tempo adequado que não considera as cadelas apressadas, o quão devagar é
suficiente para se chegar longe e qual o tempo ideal para se fazer bem, sem que
seja depressa. Mas na verdade o que fazem é, dentro das expetativas que outros
– seus superiores – têm deles, proporcionarem a que Roma e Pavia não se
construam e que nos seus escombros cães cegos vagueiem; não avaliam a
diversidade de redes de neurónios que diante de si se planteiam. E essa não
avaliação promove que hajam professores que utilizam a mesma estratégia para
todas as mentes e se esqueçam que cada mente tem o seu quadro temporal de
reação. Não extraem de cada cérebro a sua verdadeira competência e essência.
18.10.2019
Nós
e o Tempo
A
determinada ocasião da nossa vida decidimos que vamos ser mais fortes do que a
maleita do “Tempo”. Abdicamos do relógio que a nossa avó nos ofereceu num qualquer Natal – com a convicção de que
já éramos crescidos que bastasse para termos no pulso um artefacto que nos
controla os momentos e compromissos. Se decidimos fazê-lo, mais rapidamente abandonamos essa ideia; não a de nos livrarmos do enfeite, muitas vezes de
ostentação social, mas sim da dependência doentia da contagem que não pára,
porque estamos envoltos numa comunidade mais aberta e ampla, ou mais fechada e
reservada, que nos impõe prazos, afazeres, datas, tempo de desempenho.
E
é o dia que passa, carregado de horas, a semana, o mês e o ano. E quando
olhamos o espelho, percebemos que andamos, há anos, a prostituir a nossa
existência a algo que não vimos, não sentimos e tantas vezes nem percepcionamos a sua passagem por nós... o “Tempo”!
Somos
prostitutos sem alma, muitas vezes sem vontade própria, que tenta, a espaços,
dar o murro na mesa e afirmar que já não é controlável.
Matar
o Tempo
Um
dia resolvi que ia matar o tempo. Ao ter de respeitar com um compromisso,
atrasei-me. Logo aqui o tempo está implícito. E atrasei-me porque aquele
relógio/ despertador dourado, que me controlava o tempo de sono, não despertou
às horas que deveria e não me acordando, fez-me um Ser incumpridor de horário.
Já por outra ocasião, despertando cedo demais, roubou-me horas de sonos.
Chateado com tal ditador do sono, resolvi matá-lo cruelmente. Peguei-lhe, sem
carinho, e deslocando-me até ao cimo do tabuleiro da Ponte Edgar Cardoso, na
Figueira da Foz, a 46 metros de altura, coloquei-o a despertar e desembestei-o
com desdém, acompanhando os seus últimos segundos de existência, até que
mergulhou nas águas do rio Mondego. Sorri, vingado pela afronta que me fez.
Matei o tempo’ – eu julguei que sim, mas na verdade o que fiz foi eliminar um
servo do tirano, um seu representante. O “Tempo”, esse continuou a contar, na
torre da igreja, na torre da praia, no pêndulo do móvel da sala, no novo
relógio/ despertador que tive de comprar para substituir o defunto.
1.11.2019
Até
para morrer precisamos de Tempo
Quem
sabe quando é chegada a hora de partir? Quem sabe quando é a sua hora? Quem
pode definir uma hora para morrer? Algumas questões se colocam e nas quais não
englobo o suicídio, homicídio ou eutanásia – que até estes requerem de período
temporal para ocorrerem. Dizem que é o destino, seja lá isso o que for. Até os
médicos se enganam, tantas vezes, felizmente, quando tentam caracterizar-se de Profetas
do tempo e determinar o resto de vida que nos sobeja – veja-se o exemplo de Stephen
Hawking, quando os médicos lhe deram dois anos de vida, aos 21 de idade, e na
verdade ele viveu mais 32 anos do que o previsto. Depois, existe a esperança
média de vida, um valor pelo qual se programa o tempo de passagem neste
intervalo entre o antes e o depois.
Mas
será que o “Tempo” de vida tem o seu desfecho no momento em que o nosso coração
deixa de bater e os nossos neurónios deixam de conter a energia necessária à
sobrevivência mental e dão o suspiro final? A resposta é não!
O
“Tempo” da morte, esse será tão longo quanto aquele em que formos recordados
por entes próximos ou por outros aos quais a nossa influência social ocorreu. A contagem é definida pela importância que
nos dão e não pela importância que nós temos.
FIM
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