Fazer uma reflexão sobre
o que é a amizade, a menos de seis meses de completar meio século de vida, pode
parecer, a alguns seres, um exercício especulativo, a outros uma teoria da
conspiração, a certos uma verdade difícil de aceitar e para mim nada mais será
do que uma constatação de quase cinquenta anos de vida; é um exercício de
análise – a minha análise – após avaliação despreconceituosa de experiências
vividas ao longo do caminho. Desenganem-se aqueles que pensam que eu penso que a
minha verdade é um absolutismo. Nada disso! A minha verdade será sempre a minha
verdade, baseada em factos – que até estes nunca são absolutos – observados do
meu miradouro. O que para mim é um 6, para outros pode ser um 9.
Poderá a amizade ser uma inutilidade, ou deverá a amizade
ser para as ocasiões? - Muitos dirão,
tal como o provérbio, que sim, que os amigos – ou a amizade – são/é para as
ocasiões. Pois eu penso exactamente o contrário; os amigos têm de ser – para nós
– o mais inúteis possível, assim como a amizade. Porque se assim não for, então
a amizade e os seus proprietários estão integrados num contexto utilitarista em
que a tal “ocasião” vai ser registada num livro de apontamentos mental e, na “ocasião”
oportuna, vai ser aflorada como símbolo de cobrança; e na cobrança está sempre
implícito um valor. E desta forma, se há uma cobrança, a amizade ou o amigo passaram
a ter uma utilidade, logo um valor de troca; este sentimento não é de amizade
virgem, mas sim de amizade prostituída à expectativa do retorno.
Explica a ciência que, desde a nossa vida intrauterina, a
criação de redes sociais ao nível emocional é uma realidade. Aí, claro, com
principal evidência com os progenitores – mais com a mãe do que com o pai, até
porque muitos dos progenitores masculinos creem que é uma patetice falar para
uma barriga que se encontra em crescimento, sabendo que não há retorno. – Redes
sociais que se vão expandindo após o nascimento e que se tornam mais amplas –
extra circulo familiar – quando as crianças frequentam infantários. O
desenvolvimento cognitivo socioemocional é superior e iniciam-se expectativas
de amizade – primeiro pelos pais, com os habituais preconceitos à mistura, mas
posteriormente pelas crianças. Ao longo da vida infantil e adolescência, essas
redes de amizade expandem-se – de acordo com as experiências vividas em
comunidade – e as expectativas sobre as mesmas aumentam exponencialmente,
levando os jovens a acreditarem numa amizade segura e consistente, intencional
e quase comprometida com pactos de sangue.São crenças que àquela idade são
invioláveis, impossíveis de romper, incapazes de algum dos amigos quebrar. E
assim é até ao momento onde começam a surgir os relacionamentos amorosos mais
sérios e os afastamentos começam a dar-se. Não por responsabilidade desse
afastamento, mas porque se começam a colocar em causa pontos confluentes,
tornando-os em divergentes.
Neste quase meio século de vida, fazendo uma retrospectiva
de ocorrências percebo, que mais do que as amizades de infância – cujo afastamento
se ficaram a dever a mudanças geográficas – são as amizades de adolescência e
já de vida adulta que me deixam um acre no sentimento; constatar que afinal o
que pensávamos ser uma amizade bem sedimentada, não passava de um conhecimento
amorfo e mascarado com o enfeite do Joker.
Poderemos ser amigos de quem não é nosso amigo? Poderemos
ter amigos de quem não somos amigos? Para ser-se amigo, tem de se estar sempre
presente? A amizade diz-se ou demonstra-se? Estas são algumas questões que nos podem ou devem levar a uma auto-reflexão
em busca de respostas concretas, pessoais, imparciais, pragmáticas e
descomprometidas.
Quanto a mim, apesar da desilusão e da frustração me
terem atingido, tenho maturidade suficiente para perceber e poder afirmar que
posso – sou – ser amigo de quem não é meu amigo, mas que julga ser ou tenta
transmitir que é. Assim como ter – sei que tenho – amigos de quem não sou amigo
– ainda – mas que não invalida que não o possa vir a ser. Existem amizade que
apenas se percebem quando ocorrem e não quero com isso dizer que se prolongam.
Se alguém vir um pobre na rua, faminto, e lhe disponibilizar alguma comida, não
está esse alguém a praticar um acto de amizade? – Eu afirmo que sim. Quem vai doar
sangue a alguém que nem conhece, não está a praticar um acto de amizade? – Eu afirmo
que sim. E quando aquele “amigo” quer um favor nosso e faz questão de nos
lembrar que, em algum dia, também ele nos fez um favor? Será esta uma postura
de amizade? – Eu afirmo que não! E quando necessitamos da inutilidade do “amigo”
e ele se afasta, convicto que vamos querer converter essa inutilidade em
utilidade, será uma amizade o que ali temos? – Respondo que não!
Na amizade não há inveja, não há opulência, auto-elogio.
A amizade é singela, humilde, despida e nua. A amizade é a partilha e não a
imposição ou exigência. É um copo de vinho brindado com um copo de leite. É a
reunião onde são recordados tempos idos, sem comissão, e não um presente onde
apenas conta e prevalece a riqueza ostentada. A amizade é o abraço de olhos
vendados sem facas nas mãos, é o uso das palavras sem procura, é estar, não
estando. A amizade é transparente, não tem distâncias, não ocupa espaço e não
gasta tempo. A amizade pode ser uma desilusão, pode até ser uma ilusão, mas
principalmente a amizade é espectacular.
Quanto a mim, sinto-me tranquilo por conseguir
identificar os “amigos” - e não os vou
dizer, cada um lá se saberá, ou não, avaliar - e feliz quando percebo um acto
de amizade por mim, não conhecendo o espécime.
Sem comentários:
Enviar um comentário