UM DIA NA ESCOLA
A escola começara em Setembro, naqueles
primeiros dias de Outono onde já algumas folhas caducas davam início a mais um
final de ciclo.
O pátio da escola começava a ficar repleto
das castanhas e amareladas folhas dos Choupos que estavam a dar início a um
quadro composto por uma mescla de cores terra, uma textura asperamente sedosa e
um odor agridoce que a mãe natureza oferece aos olfactos mais sensíveis e
atentos.
- Cada menino vai apanhar uma folha, no
pátio, para fazermos um desenho e o pintarmos. - informou naquele dia, o dia
que iria trazer-lhe uma grande surpresa e alegria, a professora Matilde.
Armando foi ao intervalo e sentou-se num
banco de pedra, num dos cinco que existiam naquele largo da escola.
Ficou a contemplar os sons dos outros meninos
a brincarem, do chilrear dos pássaros, do vento que cantava nos galhos das
árvores do jardim que ficava do outro lado da estreita rua, do trabalhar das
folhas que dançavam numa melodia orquestral.
Agachando-se, tacteou o chão e descobriu
uma folha. Com uma admirável sensibilidade, percorreu cada centímetro daquele
pedaço de natureza, extraindo todos os relevos, perfeições e incertezas de
concepção. Elevou-a próximo do nariz e inspirou suavemente, numa tranquilidade
que fez parar o mundo, assimilando toda a história da sua folha, todos os
sentimentos que ela guardava.
A entrada na sala de aula foi executada
com o auxílio da Margarida, uma menina deveras educada, filha de um senhor
proprietário de uma Quinta; a Quinta do Espírito Santo em Azinhaga do Ribatejo.
Margarida era muito bonita, com uma tez
aleitada e um toque de pele de cetim. Contemplava o mundo com dois rubis
violetas num profundo olhar de brandura e humanidade. Os lábios rubros e
carnudos ostentavam um sorriso tímido e genuíno. De seus cabelos loiros de
trigo caíam cachos de caracóis, suaves, tratados, resplandecentes. O timbre de seda
e a pausada forma de falar, era mel para quem a escutava e música para os
ouvidos de Armando.
Margarida era uma menina muito social na
escola, não apenas pela sua personalidade, mas também devido à sua família. Por
vezes brincava com as restantes crianças, no entanto, outras vezes ficava
simplesmente ali, sentada, junto a Armando, a conversar com ele sobre os
lugares que já visitara, quando nas férias de Verão, em alguns anos, o seu pai
a levava a passear.
Naquele dia Margarida estava a saltar à corda
com as outras meninas, mas à chamada da professora, caminhou até junto de
Armando e, pousando-lhe a mão esquerda sobre o seu ombro, acompanhou-o até à
secretária que ambos partilhavam.
-Que linda folha tens, Armando! - disse-lhe.
-Tenho a certeza que não é tão linda como
tu. - respondeu o rapaz, sentindo de pronto a face a aquecer de um modo
descontrolado, tamanha era a vergonha que sentia, em ter dado tal resposta.
Não teve a oportunidade de ver a rubra
face com que Margarida ficou de tão envergonhada estava. Por breves segundos
fez-se um silêncio que deixou Armando perdido no espaço, até que sentiu a suave
e amável mão de Margarida pegar na sua e, num doce mel de voz, dizer:
- És muito simpático.
Nesse dia a professora Matilde
falava aos meninos sobre a estação do Outono. Dissera-lhes para trazerem, cada
um, a sua folha de árvore, para que com ela pudessem construir um trabalho
sobre o Outono. Lembrara-se de naquele dia ter olhado para Armando e tentado
perceber que trabalho poderia executar com aquela criança, ponderando sempre a
sua condição. Afinal, jamais tinha obtido formação escolar para trabalhar com
invisuais.
Recordara-se de o ter abordado e lhe ter
questionado;
- Meu querido, que materiais queres
utilizar no teu trabalho?
-Lápis e papel, minha senhora.
-Queres que te ajude a colorir?
-Obrigado, senhora! Não conheço as
cores. Sei o nome delas, sei quem as tem, mas não as conheço.
(continua)
Sem comentários:
Enviar um comentário