quarta-feira, abril 01, 2020

Ensaio sobre o amor - 10 - Um dia na escola


UM DIA NA ESCOLA

A escola começara em Setembro, naqueles primeiros dias de Outono onde já algumas folhas caducas davam início a mais um final de ciclo.
O pátio da escola começava a ficar repleto das castanhas e amareladas folhas dos Choupos que estavam a dar início a um quadro composto por uma mescla de cores terra, uma textura asperamente sedosa e um odor agridoce que a mãe natureza oferece aos olfactos mais sensíveis e atentos.
- Cada menino vai apanhar uma folha, no pátio, para fazermos um desenho e o pintarmos. - informou naquele dia, o dia que iria trazer-lhe uma grande surpresa e alegria, a professora Matilde.
Armando foi ao intervalo e sentou-se num banco de pedra, num dos cinco que existiam naquele largo da escola.

 Ficou a contemplar os sons dos outros meninos a brincarem, do chilrear dos pássaros, do vento que cantava nos galhos das árvores do jardim que ficava do outro lado da estreita rua, do trabalhar das folhas que dançavam numa melodia orquestral.
Agachando-se, tacteou o chão e descobriu uma folha. Com uma admirável sensibilidade, percorreu cada centímetro daquele pedaço de natureza, extraindo todos os relevos, perfeições e incertezas de concepção. Elevou-a próximo do nariz e inspirou suavemente, numa tranquilidade que fez parar o mundo, assimilando toda a história da sua folha, todos os sentimentos que ela guardava.
A entrada na sala de aula foi executada com o auxílio da Margarida, uma menina deveras educada, filha de um senhor proprietário de uma Quinta; a Quinta do Espírito Santo em Azinhaga do Ribatejo.
Margarida era muito bonita, com uma tez aleitada e um toque de pele de cetim. Contemplava o mundo com dois rubis violetas num profundo olhar de brandura e humanidade. Os lábios rubros e carnudos ostentavam um sorriso tímido e genuíno. De seus cabelos loiros de trigo caíam cachos de caracóis, suaves, tratados, resplandecentes. O timbre de seda e a pausada forma de falar, era mel para quem a escutava e música para os ouvidos de Armando.
 Margarida era uma menina muito social na escola, não apenas pela sua personalidade, mas também devido à sua família. Por vezes brincava com as restantes crianças, no entanto, outras vezes ficava simplesmente ali, sentada, junto a Armando, a conversar com ele sobre os lugares que já visitara, quando nas férias de Verão, em alguns anos, o seu pai a levava a passear.
Naquele dia Margarida estava a saltar à corda com as outras meninas, mas à chamada da professora, caminhou até junto de Armando e, pousando-lhe a mão esquerda sobre o seu ombro, acompanhou-o até à secretária que ambos partilhavam.
-Que linda folha tens, Armando! - disse-lhe.
-Tenho a certeza que não é tão linda como tu. - respondeu o rapaz, sentindo de pronto a face a aquecer de um modo descontrolado, tamanha era a vergonha que sentia, em ter dado tal resposta.
Não teve a oportunidade de ver a rubra face com que Margarida ficou de tão envergonhada estava. Por breves segundos fez-se um silêncio que deixou Armando perdido no espaço, até que sentiu a suave e amável mão de Margarida pegar na sua e, num doce mel de voz, dizer:
- És muito simpático.
            Nesse dia a professora Matilde falava aos meninos sobre a estação do Outono. Dissera-lhes para trazerem, cada um, a sua folha de árvore, para que com ela pudessem construir um trabalho sobre o Outono. Lembrara-se de naquele dia ter olhado para Armando e tentado perceber que trabalho poderia executar com aquela criança, ponderando sempre a sua condição. Afinal, jamais tinha obtido formação escolar para trabalhar com invisuais.
Recordara-se de o ter abordado e lhe ter questionado;
            - Meu querido, que materiais queres utilizar no teu trabalho?
            -Lápis e papel, minha senhora.
            -Queres que te ajude a colorir?
            -Obrigado, senhora! Não conheço as cores. Sei o nome delas, sei quem as tem, mas não as conheço.

(continua)

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