Era uma vez uma menina que, todas as
noites, sempre que ia para a cama, depois de escovar os dentes e pentear os
seus negros cabelos donde pendiam uns belos e reluzentes cachos que brilhavam
em consonância com as belas pérolas negras que tinha no olhar, agarrava-se ao
seu ursinho de peluche. Ficava a pensar nas histórias que ouvia as suas colegas
de colégio contarem. Maria perdia-se na penumbra dos seus pensamentos e na sua
memória escutava as vozes das amigas.
A
Margarida contara, certo dia, que a sua mãe a tinha levado à cabeleireira
cortar e esticar o cabelo:
-
A senhora Lurdes – dizia – fez-me um penteado «Pantene» como as senhoras da televisão – continuava, explicando que
tinha esticado o cabelo como as modelos da conhecida marca de shampoo.
Maria
ficava calada a ouvi-las. A Francisca contava, toda excitada, a ida ao cinema
com o pai e a mãe. Contava que o pai a deixara dar o dinheiro dos bilhetes ao
senhor que os estava a vender, que comprara um balde de pipocas e que a sala
era grande e que se tinham apagado as luzes… e nessa altura já Maria estava na
sua nuvem mágica a viajar na história e a imaginar-se no lugar da amiga.
Maria
passava longas horas de tardes de sábado sentada naquele velho banco de jardim,
com a boneca Teresa que tanta companhia lhe fazia. Uma boneca de pano, com
cabelos loiros e umas tranças até á zona da cintura, com uns grandes olhos
azuis que nunca pestanejavam e que observavam todos os momentos de Maria.
Todos, menos os momentos do sono; esses pertenciam ao ursinho Gaspar.
Maria contava, uma vez mais, a sua história
preferida, à boneca Teresa; a história «A
Princesa feliz», que falava de uma princesa que vivia muito triste no
palácio, apesar de ter muita riqueza. E vivia triste porque não tinha ninguém
com quem brincar ou falar. Ninguém que lhe desse atenção. O Rei e a Rainha
apenas se preocupavam em ir às festas ou em darem eles festas para a nobreza ou
outros Reis de reinos vizinhos. Vivia triste, apesar da riqueza, porque quem a
ia deitar era uma ama, a senhora Glória. Nunca o pai ou a mãe alguma vez lhe
foram dar um beijo ao deitar e dizer- Boa noite minha linda filha, dorme bem.
Maria
olhava para a história da Princesa e revia-se. Não tinha a riqueza da princesa,
mas tal como na história, também ela aguardava o dia em que, quando se fosse
deitar para dormir, o pai ou a mãe lhe fossem aconchegar a roupa da cama e dar
um beijinho de boa noite; «Afinal, se a Princesa da minha história tinha
conseguido que tivesse acontecido, também comigo pode acontecer», pensava.
Naquele
dia de sábado à tarde, enquanto Maria contava a história, a dona Gertrudes
aproximou-se dela. Consigo vinha uma senhora, um senhor e um menino, o Pedro.
-
Maria…- disse a dona Gertrudes – esta é a senhora Cristina, o senhor Paulo e o
filho Pedro.
-
Boa tarde. – disse Maria aos visitantes, com a sua adocicada voz, numa ternura
que a sua simplicidade tinha, levantando-se e endireitando o seu vestido, um
dos dois que tinha para vestir ao fim de semana.
-
Olá minha querida, estás boa? – perguntou a senhora Cristina, uma senhora de
cerca 35 anos, casada com o senhor Paulo e mãe adoptiva do menino Pedro.
-
Estou bem, obrigada senhora. – respondeu Maria, agora com os olhos pousados no
chão, demonstrando alguma timidez.
-
Maria…- disse a senhora - …este é o Paulo, o meu marido e este é o Pedro, o meu
filho que, tal como tu, tem 10 anos de idade.
-
Olá… - disse Maria algo envergonhada, continuando - …esta é a boneca Teresa e
este é o ursinho Gaspar. Os meus amigos. E este é o meu livro preferido.
-
Podemos brincar contigo? – perguntou a senhora Cristina.
-
Sim… - adiantou Maria - …mas eu só tenho estes dois bonecos. Podemos brincar à
vez. – disse.
Posso
dizer que foi uma tarde muito animada. No final desse dia a Maria foi para a
cama e contou a tarde de brincadeira aos seus amigos Teresa e Gaspar, vezes sem
conta, até adormecer.
-
Vocês gostaram tanto quanto eu? – perguntava com grande excitação na voz, mas
emocionando-se quando lhes dizia – Viram, a senhora Cristina e o senhor Paulo?
Deram-me um beijinho de despedida e desejaram-me boa noite.
Os
fins-de-semana passaram a ter a presença da família a visitar a Maria e a
brincarem com ela. Passaram a trazer algumas roupas à pequena, que se sentia
muito feliz. Um dia chegaram mais cedo do que era habitual. Deveriam ser umas
11 horas da manhã quando a família chegou.
-
Já chegaram? – disse Maria toda contente por os novos amigos terem chegado mais
cedo – Mas ainda não almocei! – disse Maria.
A
senhora Cristina trazia um saco de papel na mão, com umas letras e um desenho
do lado de fora.
-
Querida, vamos ao teu quarto? – perguntou a senhora Cristina. – Tenho uma
surpresa para ti. – disse-lhe.
Foram
ao quarto da Maria, um quarto vazio de carinho, calor humano. Maria dormia num
quarto onde existiam quatro camas., mas ela era a única que o habitava. No
canto um pequeno cacifo branco que servia de roupeiro, para as poucas roupas
que tinha, agora já mais algumas.
-
Que lindo! – disse toda excitada, Maria, ao ver o vestido rosa claro que a
senhora Cristina lhe tinha trazido, a camisa branca e os sapatos de fivela –
Que lindo! – dando um forte abraço ao redor do pescoço da senhora Cristina, o
que lhe provocou a queda de uma lágrima.
-
Maria… - avançou - …vamos-te pôr ainda mais bonita do que já és e vamos passear
todos, almoçar no restaurante… - fora interrompida.
-
A sério? – Maria libertava nesse momento toda a sua emoção num choro compulsivo
de enorme felicidade.
-
Não chores minha querida… - disse abraçando-a e limpando-lhe as lágrimas.
Prepararam-se
e quando chegaram as duas ao salão onde o senhor Paulo e o menino Pedro as
aguardavam, aos olhos de quem lá estava, parecia que uma luz entrara na
divisão. Maria, com toda a sua beleza e um sorriso de orelha a orelha era toda
felicidade.
-
Tão bonita… - disse o senhor Paulo, continuando - …a princesa Maria está
pronta?
-
Sim…- respondeu timidamente.
Nesse
dia Maria viveu novas experiências. Passeou com uma família, almoçou no
restaurante, foi ao cinema, comeu pipocas, andou nos baloiços do parque e até
fora comprar um casaco para ela e outro para o Pedro, numa loja. No regresso,
ao final da tarde, surgiu uma nova surpresa. Todos sentados, na sala de
visitas, onde também estava a dona Gertrudes e a psicóloga Dr.ª Fernanda, a
senhora Cristina ajoelhou-se junto de Maria e perguntou-lhe:
-
Maria, querida… - fez uma pausa - … gostava de te fazer uma pergunta, mas não
tens de responder agora. Podes pensar e responder quando quiseres, está bem? –
Maria acenava afirmativamente com a cabeça – Gostavas de ser minha filha e do
Paulo? Gostavas de ser irmã do Pedro? –
questionou, ficando expectante.
-
Sim. – respondeu a pequena de pronto.
-
Sim!? – questionou a senhora Cristina, toda entusiasmada.
-
Sim gostava. – respondeu.
-
Gostarias de vir viver connosco? – questionou-a, olhando-a nos olhos e
percorrendo com um olhar os restantes elementos presentes na divisão.
-
Sim, muito. – respondeu, agora, já com as lágrimas nos olhos, presas por uma
qualquer barragem invisível.
Num
forte abraço a que se juntou Paulo e Pedro, Maria desatou a chorar
copiosamente.
-
Não chores minha querida, está tudo bem, a mãe está aqui. – disse a senhora
Cristina.
-
Pronto minha querida, está tudo bem… - disse o senhor Paulo, fazendo-lhe uma
caricia na cabeça e dando-lhe um beijo no rosto - …o pai está aqui.
-
Maria, já temos o teu quarto pronto. – disse o Pedro muito entusiasmado.
Nesse
final de dia, a família concluiu o processo de adopção de Maria. Eu apressei-me
em me infiltrar nos seus pertences para assim poder acompanhar a minha
amiguinha para o seu novo lar.
Agora
tenho a minha pequena teia no novo quarto da Maria. Estou com ela na sua nova
vida e, num destes dias, escutei-a a falar enquanto escrevia no seu diário:
-
Tal como a Princesa, também agora tenho um pai e uma mãe que todos os dias me
vêm dar um beijinho de boa noite quando me vou deitar. Também ganhei um irmão.
-
Maria… – disse a mãe ao entrar no quarto - … hora de ir para a cama, amor.
- Sim mãezinha. – respondeu Maria,
deitando-se e recebendo um beijo de boa noite da mãe e do pai que entretanto
chegara ao quarto também, apagando a luz ao saírem.
Afinal,
mais importante do que ter muitos bens materiais, é ter a atenção e o amor dos
pais e irmãos. Hoje a Maria já não vive no orfanato, tem mais brinquedos e
livros, mas continua a conversar com a sua amiga boneca Teresa e a dormir com o
seu amigo ursinho Gaspar.
Um conto de Miguel Branco
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