segunda-feira, julho 25, 2016

Sonho de Maria (história infantil)





Era uma vez uma menina que, todas as noites, sempre que ia para a cama, depois de escovar os dentes e pentear os seus negros cabelos donde pendiam uns belos e reluzentes cachos que brilhavam em consonância com as belas pérolas negras que tinha no olhar, agarrava-se ao seu ursinho de peluche. Ficava a pensar nas histórias que ouvia as suas colegas de colégio contarem. Maria perdia-se na penumbra dos seus pensamentos e na sua memória escutava as vozes das amigas.
            A Margarida contara, certo dia, que a sua mãe a tinha levado à cabeleireira cortar e esticar o cabelo:


            - A senhora Lurdes – dizia – fez-me um penteado «Pantene» como as senhoras da televisão – continuava, explicando que tinha esticado o cabelo como as modelos da conhecida marca de shampoo.
            Maria ficava calada a ouvi-las. A Francisca contava, toda excitada, a ida ao cinema com o pai e a mãe. Contava que o pai a deixara dar o dinheiro dos bilhetes ao senhor que os estava a vender, que comprara um balde de pipocas e que a sala era grande e que se tinham apagado as luzes… e nessa altura já Maria estava na sua nuvem mágica a viajar na história e a imaginar-se no lugar da amiga.
            Maria passava longas horas de tardes de sábado sentada naquele velho banco de jardim, com a boneca Teresa que tanta companhia lhe fazia. Uma boneca de pano, com cabelos loiros e umas tranças até á zona da cintura, com uns grandes olhos azuis que nunca pestanejavam e que observavam todos os momentos de Maria. Todos, menos os momentos do sono; esses pertenciam ao ursinho Gaspar.
 Maria contava, uma vez mais, a sua história preferida, à boneca Teresa; a história «A Princesa feliz», que falava de uma princesa que vivia muito triste no palácio, apesar de ter muita riqueza. E vivia triste porque não tinha ninguém com quem brincar ou falar. Ninguém que lhe desse atenção. O Rei e a Rainha apenas se preocupavam em ir às festas ou em darem eles festas para a nobreza ou outros Reis de reinos vizinhos. Vivia triste, apesar da riqueza, porque quem a ia deitar era uma ama, a senhora Glória. Nunca o pai ou a mãe alguma vez lhe foram dar um beijo ao deitar e dizer- Boa noite minha linda filha, dorme bem.
            Maria olhava para a história da Princesa e revia-se. Não tinha a riqueza da princesa, mas tal como na história, também ela aguardava o dia em que, quando se fosse deitar para dormir, o pai ou a mãe lhe fossem aconchegar a roupa da cama e dar um beijinho de boa noite; «Afinal, se a Princesa da minha história tinha conseguido que tivesse acontecido, também comigo pode acontecer», pensava.
            Naquele dia de sábado à tarde, enquanto Maria contava a história, a dona Gertrudes aproximou-se dela. Consigo vinha uma senhora, um senhor e um menino, o Pedro.
            - Maria…- disse a dona Gertrudes – esta é a senhora Cristina, o senhor Paulo e o filho Pedro.
            - Boa tarde. – disse Maria aos visitantes, com a sua adocicada voz, numa ternura que a sua simplicidade tinha, levantando-se e endireitando o seu vestido, um dos dois que tinha para vestir ao fim de semana.
            - Olá minha querida, estás boa? – perguntou a senhora Cristina, uma senhora de cerca 35 anos, casada com o senhor Paulo e mãe adoptiva do menino Pedro.
            - Estou bem, obrigada senhora. – respondeu Maria, agora com os olhos pousados no chão, demonstrando alguma timidez.
            - Maria…- disse a senhora - …este é o Paulo, o meu marido e este é o Pedro, o meu filho que, tal como tu, tem 10 anos de idade.
            - Olá… - disse Maria algo envergonhada, continuando - …esta é a boneca Teresa e este é o ursinho Gaspar. Os meus amigos. E este é o meu livro preferido.
            - Podemos brincar contigo? – perguntou a senhora Cristina.
            - Sim… - adiantou Maria - …mas eu só tenho estes dois bonecos. Podemos brincar à vez. – disse.
            Posso dizer que foi uma tarde muito animada. No final desse dia a Maria foi para a cama e contou a tarde de brincadeira aos seus amigos Teresa e Gaspar, vezes sem conta, até adormecer.
            - Vocês gostaram tanto quanto eu? – perguntava com grande excitação na voz, mas emocionando-se quando lhes dizia – Viram, a senhora Cristina e o senhor Paulo? Deram-me um beijinho de despedida e desejaram-me boa noite.
            Os fins-de-semana passaram a ter a presença da família a visitar a Maria e a brincarem com ela. Passaram a trazer algumas roupas à pequena, que se sentia muito feliz. Um dia chegaram mais cedo do que era habitual. Deveriam ser umas 11 horas da manhã quando a família chegou.
            - Já chegaram? – disse Maria toda contente por os novos amigos terem chegado mais cedo – Mas ainda não almocei! – disse Maria.
            A senhora Cristina trazia um saco de papel na mão, com umas letras e um desenho do lado de fora.
            - Querida, vamos ao teu quarto? – perguntou a senhora Cristina. – Tenho uma surpresa para ti. – disse-lhe.
            Foram ao quarto da Maria, um quarto vazio de carinho, calor humano. Maria dormia num quarto onde existiam quatro camas., mas ela era a única que o habitava. No canto um pequeno cacifo branco que servia de roupeiro, para as poucas roupas que tinha, agora já mais algumas.
            - Que lindo! – disse toda excitada, Maria, ao ver o vestido rosa claro que a senhora Cristina lhe tinha trazido, a camisa branca e os sapatos de fivela – Que lindo! – dando um forte abraço ao redor do pescoço da senhora Cristina, o que lhe provocou a queda de uma lágrima.
            - Maria… - avançou - …vamos-te pôr ainda mais bonita do que já és e vamos passear todos, almoçar no restaurante… - fora interrompida.
            - A sério? – Maria libertava nesse momento toda a sua emoção num choro compulsivo de enorme felicidade.
            - Não chores minha querida… - disse abraçando-a e limpando-lhe as lágrimas.
            Prepararam-se e quando chegaram as duas ao salão onde o senhor Paulo e o menino Pedro as aguardavam, aos olhos de quem lá estava, parecia que uma luz entrara na divisão. Maria, com toda a sua beleza e um sorriso de orelha a orelha era toda felicidade.
            - Tão bonita… - disse o senhor Paulo, continuando - …a princesa Maria está pronta?
            - Sim…- respondeu timidamente.
            Nesse dia Maria viveu novas experiências. Passeou com uma família, almoçou no restaurante, foi ao cinema, comeu pipocas, andou nos baloiços do parque e até fora comprar um casaco para ela e outro para o Pedro, numa loja. No regresso, ao final da tarde, surgiu uma nova surpresa. Todos sentados, na sala de visitas, onde também estava a dona Gertrudes e a psicóloga Dr.ª Fernanda, a senhora Cristina ajoelhou-se junto de Maria e perguntou-lhe:
            - Maria, querida… - fez uma pausa - … gostava de te fazer uma pergunta, mas não tens de responder agora. Podes pensar e responder quando quiseres, está bem? – Maria acenava afirmativamente com a cabeça – Gostavas de ser minha filha e do Paulo?  Gostavas de ser irmã do Pedro? – questionou, ficando expectante.
            - Sim. – respondeu a pequena de pronto.
            - Sim!? – questionou a senhora Cristina, toda entusiasmada.
            - Sim gostava. – respondeu.
            - Gostarias de vir viver connosco? – questionou-a, olhando-a nos olhos e percorrendo com um olhar os restantes elementos presentes na divisão.
            - Sim, muito. – respondeu, agora, já com as lágrimas nos olhos, presas por uma qualquer barragem invisível.
            Num forte abraço a que se juntou Paulo e Pedro, Maria desatou a chorar copiosamente.
            - Não chores minha querida, está tudo bem, a mãe está aqui. – disse a senhora Cristina.
            - Pronto minha querida, está tudo bem… - disse o senhor Paulo, fazendo-lhe uma caricia na cabeça e dando-lhe um beijo no rosto - …o pai está aqui.
            - Maria, já temos o teu quarto pronto. – disse o Pedro muito entusiasmado.
            Nesse final de dia, a família concluiu o processo de adopção de Maria. Eu apressei-me em me infiltrar nos seus pertences para assim poder acompanhar a minha amiguinha para o seu novo lar.
            Agora tenho a minha pequena teia no novo quarto da Maria. Estou com ela na sua nova vida e, num destes dias, escutei-a a falar enquanto escrevia no seu diário:
            - Tal como a Princesa, também agora tenho um pai e uma mãe que todos os dias me vêm dar um beijinho de boa noite quando me vou deitar. Também ganhei um irmão.
            - Maria… – disse a mãe ao entrar no quarto - … hora de ir para a cama, amor.
            - Sim mãezinha. – respondeu Maria, deitando-se e recebendo um beijo de boa noite da mãe e do pai que entretanto chegara ao quarto também, apagando a luz ao saírem.

            Afinal, mais importante do que ter muitos bens materiais, é ter a atenção e o amor dos pais e irmãos. Hoje a Maria já não vive no orfanato, tem mais brinquedos e livros, mas continua a conversar com a sua amiga boneca Teresa e a dormir com o seu amigo ursinho Gaspar.

                                                                                                 Um conto de Miguel Branco

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