Tem criado alguma celeuma entre quem lê, alguns dos meus artigos sobre viaturas em circulação de emergência, principalmente quando abordo a temática da falta de qualidade na formação do INEM - em situações de acção que coloca em perigo os demais utilizadores da via - ou na forma como determinados condutores de ambulâncias - bombeiros, por tanto - abusam na transposição da zona da Casa do Sal em Coimbra.
Por norma, algumas das pessoas que leem os textos, tendem em comentar com o tipico argumento que chama À emoção e ao sentimentalismo de eventual culpa - Se fosse um filho seu a ir destro da ambulância, queria ver como é que reagiria.
Compreendo perfeitamente o argumento, mas devemos tentar ser mais racionais do que emocionais. É claro que todos temos noção que, numa situação de emergência, tempo pode ser a diferença entre viver ou morrer. Mas, esse tempo não deve ser apenas visto de uma perspectiva, mas sim de diversas. E é nesse sentido que hoje vou redigir uma situação, hipotética, mas possível de vir a acontecer.
Devemos começar por perceber que todos estamos sujeitos ao acidente, bastando para tal sermos utilizadores da via pública. Ou seja, não é pelo facto de sermos condutores de viaturas em situação de emergência, que estamos imunes ao sinistro e suas consequências.
É claro que todos somos sensíveis ao facto de, numa emergência, se pretender que quem socorre chegue tão rápido quanto possível ao local do sinistro, mas como dizem alguns amigos bombeiros - É essencial que cheguem.
Um acidente sem a viatura de socorro envolvida
Vou tentar apresentar uma situação de sinistro, envolvendo duas viaturas, sem que alguma delas seja o veículo que transita em emergência. Quais as possíveis consequências legais e as físicas.1ª Simulação:
Num cruzamento regulado por sinalização luminosa encontram-se diversos veículos imobilizados a aguardar que o sinal altere para verde. De súbito, surge por trás uma ambulância devidamente sinalizada com as luzes de cor azul e com os sinais sonoros de emergência. Imobilizados ao sinal vermelho, existem duas filas de trânsito, com um conjunto de mais de cinco automóveis em cada fila.
Apercebendo-se de tal intensidade de trânsito, o condutor do veículo em emergência, complementa a sua sinalização sonora com mais sinais sonoros, forçando a passagem entre os veículos, obrigando-os a se afastarem. Uma vez que os veículos que se encontravam em primeiro lugar na fila, não tendo espaço para se desviarem lateralmente, por haver no local um separador de trânsito, avançaram, passando o vermelho, somente o suficiente para garantir espaço para o prioritário passar.
No momento em que avançou um dos veículos, foi atingido com alguma violência por parte de um outro condutor que circulava na via de transito que tinha autorização para avançar, através do sinal luminoso de cor verde.
Criado o espaço de passagem, a ambulância seguiu o seu caminho, ignorando o que tinha ocorrido, uma vez que a emergência assim o impunha. O sinal que antes estava vermelho, entretanto, passou para verde e os veículos que ali estavam seguiram o seu caminho. Os veículos, excepto aquele que foi atingido.
Chamada a policia ao local e após identificação dos intervenientes - acidentados - foi levantado um auto de contra-ordenação ao condutor do veículo que passou o sinal vermelho e que deu origem ao acidente. O seguro pagou os estragos do veículo que circulava na via com o verde do semáforo aceso e o condutor que passou o vermelho ficou com a conta dos seus estragos à sua responsabilidade. Felizmente aqui não houve vitimas.
2ª Simulação :
Existe, num cruzamento, uma quantidade de automóveis imobilizados ao sinal vermelho. O local é de tráfego elevado. Uma ambulância surge com uma velocidade desapropriada - ainda que muitos possam pensar que sim - e força a passagem entre os veículos.
Os veículos iniciam um processo alteração de posicionamento na via, com vista a facilitarem a passagem ao veículo prioritário - tal como a lei prevê, sempre que assim seja possível - e este avança determinado a seguir o seu caminho.
No entanto, quando aborda o cruzamento, é atingido por um outro automóvel que, tendo verde no semáforo e sendo conduzido por um condutor de pouco mais de setenta anos de idade. O resultado deste acidente, uma vez que a ambulância é embatida lateralmente, entra em despiste e acaba por capotar.
Uma vez que o condutor e o formador, que se encontram dentro da ambulância, não faziam uso do cinto de segurança, entram num processo de bola de ping-pong dentro da cabine, embatendo um no outro e na estructura do veículo. Um fractura um braço e a cabeça, enquanto o outro fica com lesões graves ao nível da coluna vertebral.
Já o condutor da viatura civil, devido ao embate, vê o seu carro entrar em pião e bater lateralmente num poste de iluminação pública, ficando com lesões graves ao nível do abdomem, devido à pressão do cinto-de-segurança, e na cabeça, com fractura craniana.
Neste caso, uma vez que a ambulância passou o sinal vermelho sem respeitar a obrigação legal de se imobilizar primeiro e verificar se poderia avançar com a devida segurança, o condutor ocorre numa contra-ordenação muito grave. O seguro não cobre o internamento, os tratamentos nem uma possível baixa médica. O seguro não cobre os estragos da ambulância ou qualquer tipo de indemnização por lesões físicas permanentes.
Já relativamente ao condutor do veículo civil, que devido às lesões e à idade, ficou condicionado na sua vida. Tendo entrado em coma, esteve internado nos cuidados intensivos durante de mais de um mês e posteriormente necessitou de realizar uma recuperação física. Veio a perceber-se que a percentagem do seguro que cobre essas despesas não é suficiente, o que faz com que o remanescente tenha de ser suportado pela entidade culpada.
O INEM não vai suportar essas despesas, uma vez que vai alegar que internamente não houve indicações para que os condutores desrespeitem a legislação em vigor e que regulamenta a circulação de veículos em missão urgente de socorro. Abre um inquérito e atribui essa responsabilidade ao condutor da ambulância.
Uma vez que o seguro não suporta todo o valor e a entidade INEM não assume, cabe ao condutor pagar o remanescente do valor. Caso o condutor culpado não tenha essa possibilidade, o tribunal pode mandar arrestar os seus bens, como garantia de pagamento da despesa, assim como parte do salário, sempre que se justifique.
É importante, assim, que quem se insurge contra a minha forma de expor as coisas, faça uma reflexão e perceba que nada tenho contra quem conduz um veículo prioritário. É importante, sim, que cada um perceba que, as suas acções podem condicionar não apenas a vida de outros, mas as suas próprias vidas.
É importante, sim, que quem exerce formação aos condutores de veículos prioritários perceba que, não é um estado adrenalínico que deve injectar, mas sim um estado de alerta e condução defensiva. Só desta forma se conseguirá que o socorro seja mais célere e seguro. Em Portugal ainda se encontra em défice a cultura do socorro. Felizmente que já há muitas corporações de bombeiros com Comandantes altamente competentes e profissionais que, mais do que proporcionarem adequada formação aos seus operacionais, disponibilizam-lhes SENSIBILIZAÇÃO.
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