quarta-feira, julho 08, 2020

De cartaz em riste



Nos dias de hoje já não é tão comum ver-se - ainda que aqui e ali se veja o pedaço de cartão com um nome de localidade escrito - senhoras ou meninas sozinha, à boleia.

Nos meados da minha primeira década de vida, foram diversas as vezes que andei á boleia, juntamente com alguns amigos e amigas. Não avaliávamos o perigo e assumíamos o risco.

For principalmente em período de férias, enquanto acampávamos, que nos colocávamos à beira da estrada à boleia, de polegar levantado e braço estendido, enquanto íamos galgando caminho nuns passos arrastados.

Apanhávamos boleia de gente com melhor aspecto e de gente de aspecto mais duvidoso, mas percebimais tarde que o melhor ou pior aspecto não definem o carácter da pessoa.

Foi também no final da primeira década que dei inicio à prática de transportar à boleia, desconhecidos que via de dedo estendido à beira da estrada, com ou sem mochila por perto.

Se pedir boleia tem os seus perigos, oferecer boleia também os tem. E tal como não os avaliamos quando pedimos, também não o fazemos quando somos os transportadores.

Durante algum tempo - muito - fui proporcionando transporte a quem o solicitava à beira da estrada e, depois, de uma forma natural, fui deixando de o fazer. Por nada em especial. Durante muitos anos não dei boleia a quem estava na beira da estrada de braço e dedo estendidos. Até à cerca de uma semana atrás.

Estava a caminho de casa e, junto à estrada, de cartaz em riste, avistei duas jovens pimpinelas a pedirem boleia. O destino das moças ficava posterior ao meu, ainda assim parei e informei-as de tal. Aceitaram a minha boleia até ao meu local de destino, na certeza que daí em diante tentariam a sua sorte.

A viagem não demorou mais de 15/ 16 minutos, o tempo suficiente para trocarmos algumas palavras (porque quem anda à boleia tem de conversar com quem dá boleia) e percebi que já vinham com sete horas de boleia, e depois de as deixar ainda tinham cerca de mais 30 km para percorrer. Iam, ao que me disseram, visitar uma amiga.



Ambas não tinham mais de 19/ 20 anos de idade, estudantes de medicina na cidade do Porto, mas não residentes de origem.

Vendo-as tão novas e coquetes, alertei-as dos perigos de duas meninas tão jovens andarem à boleia, daqueles perigos que se escondem atrás do bom aspecto ou boa vontade do transportador. Informaram-me que estavam cientes disso; tenho a certeza de que não estavam.

Sabendo da dificuldade, nos dias de hoje, de se conseguir uma boleia, quando as deixei, fi-lo junto a uma paragem de autocarros, paragem que sei passar ali - alguns minutos depois - um autocarro que segue o mesmo destino das duas. Informei-as disso e, uma vez mais as alertei dos perigos, ainda mais da boleia ao cair da tarde/ principio da noite.

Dei-lhes boleia ao passar, porque àquela hora duas miúdas na beira da estrada à boleia no local onde estavam, são presas fáceis para alguém com mentalidade de predador.

Não coloquei a questão, mas fiquei com a certeza - convicto - que os pais daquelas duas jovens não faziam a mínima ideia de que elas estavam a percorrer um trajecto de cerca de 200 km, à boleia, com desconhecidos. Estou certo que jamais permitiriam.



Imagens: Shutter; 123RF

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