quarta-feira, março 25, 2020

Ensaio sobre o amor - 4

(continuação)


Manuela, pegando na sua pequena cesta e na oferenda que levava ao “curandeiro”, deu a mão a Armando que, sentindo toda aquela agitação e azáfama, escutando todo aquele ruído das pessoas que falavam em voz alta e de modo anárquico, associado aos repetidos uivos provenientes do apito do comboio, assustado, enrodilhou-se à sua mãe. Momentos seguidos, escondeu-se atrás das saias da progenitora quando estridentes guinchos se libertaram das rodas que deslizavam sobre os carris metálicos, no momento em que o maquinista deu início à travagem da composição, em primeiro, mas também quando o vapor se libertou da caldeira da máquina, num sinal de alívio e dor.
- Mãe! Tenho medo. – disse o pequeno Armando, ao que a sua mãe, num reactivo movimento se virou, agachou-se e, dando-lhe um abraço terno e firme, transmitindo-lhe segurança e confiança, enquanto lhe beijava a face. Disse;
 - A mãe está contigo, meu amor! Não tenhas medo. – O jovem Armando, num forte abraço, ao redor do pescoço de Manuela, disse-lhe as palavras que viriam a mudar a vida daqueles dois seres.
- Não me deixes nunca.
- Nunca te vou deixar! És o meu menino. – retribuiu ela a Armando.

A entrada no comboio foi efectuada depois de todas as outras pessoas o terem feito. Escalaram os três degraus e acederam à zona dos bancos. Havia muitos cestos na coxia, tendo Armando tropeçado em dois ou três; o que quase lhe provocara uns valentes trambolhões. Ia tateando o caminho, desequilibrado pelos solavancos do movimento do comboio. Quando encontrou um lugar, Manuela sentou-se, inicialmente com o filho ao seu colo mas, depois, porque se desocupara um espaço a seu lado, sentou Armando junto à janela, ficando a seu lado, ambos de mão dada. Por vezes Armando levantava-se e, junto à janela, aberta, erguia um pouco o nariz e sentia o suave odor a flores que vinha do exterior. Ficava maravilhado, enquanto alguns dos passageiros o olhavam, ali, de pé, junto à janela, inspirando, por vezes, mais profundamente.
A mãe dizia-lhe, a espaços, que se sentasse para não perder o lugar, ao que ele anuía e o fazia, para mais tarde repetir a acção. A viagem demorou sete horas, com muitas paragens, entradas e saídas de passageiros e algum encantamento, ainda que nebuloso, de Armando. Por certa ocasião comentou com a mãe, num tom de voz tal, que soltou umas risadinhas aos outros passageiros que seguiam na mesma carruagem;
- Mãe, este comboio é mais rápido que a carroça do Carlos padeiro. E até leva mais pessoas.
Muitas eram as pessoas que demonstravam a sua curiosidade para com Armando. Olhavam-no de soslaio e quando se apercebiam que Manuela os olhava, disfarçavam, proferindo comentários entre dentes com outros passageiros. Manuela nada dizia. Pegava na mão do filho, chamava-o até si com um gesto suave e abraçava-o, beijando-lhe o cocuruto da cabeça, afagando-lhe o cabelo e passando-lhe a mão, suavemente, pela face. Armando retribuía o carinho e amor da sua progenitora com um forte abraço ao redor do seu pescoço.
Ao longo da morosa viagem, estas demonstrações de carinho, afecto e cumplicidade, aconteceram diversas vezes. Outras ocasiões, Armando dormia no regaço de Manuela, enquanto esta lhe cantava, num tom baixo e tranquilo, uma cantilena que sempre lhe cantava quando ele era bebé ou quando se mostrava mais irrequieto.
Um dia, quando Armando tinha apenas quatro anos de idade, não percebia a razão de os outros meninos, aqueles que na rua brincavam em grandes correrias, podiam divertir-se em enormes aventuras, enquanto ele tinha de ficar ali, sentado, ao sol, por vezes à sombra, debaixo de uma oliveira, e não correr com eles. Não percebia a real razão.
Nesse dia, uma enorme ansiedade apoderou-se do pequeno Armando, tornando-o tão nervoso e vulnerável que, sem que Manuela se desse conta, ele começou a balançar-se para trás e para diante com tanta violência que deu início a uma série de pancadas com a cabeça na árvore. Quando se apercebeu, Manuela, correu para ele e abraçou-o, como fazia, como só ela sabia fazê-lo, tentou acalmá-lo cantando-lhe a melodia que sempre lhe cantara desde aquele dia em que ela desejou fortuna ao seu filho após um parto que até nem se mostrou difícil para a enfermeira Emília.

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