ARMANDO
Estou neste banco, sentado, a aguardar a
chegada de um tal de comboio. A mãe disse-me que é o transporte que nos vai
levar a Lisboa. Parece que Lisboa é a cidade grande. Ouvi o senhor padre dizer
que é lá que existem coisas que não há na nossa terra.
Aqui, sentado, escuto as vozes de muitas
pessoas que também esperam o comboio; queria tanto poder andar por aí a mexer
nas coisas, a ver, seja lá o que isso for; mas a mãe não me deixa. Diz que
tenho de ficar aqui junto dela.
- Que é isto? – interrogo-me, num reflexo
ao súbito silvo proveniente do tal comboio que nos vai transportar a Lisboa.
O que ouvi foi um som forte, agudo, intimidativo.
No ar permaneceu um odor a humidade mesclada com ferro. Um cheiro que já
sentira antes.
Escondo-me, assustado, atrás da minha mãe,
agarro-me e sussurro-lhe que tenho medo. De imediato tenta acalmar-me, dando-me
um abraço.
O barulho que as pessoas ao meu redor
produzem aumenta enormemente. Sinto-as mais agitadas e a azáfama agora é
enorme. A mãe segura-me na mão e encaminha-me na direcção do comboio. Ajuda-me
a subir os poucos, três, degraus. Já dentro da carruagem, é assim que chamam a
esta parte do comboio, oiço novamente as pessoas a falarem todas ao mesmo
tempo. Sinto-me bastante excitado; é a primeira vez que vou andar de comboio.
- Que se passa? – penso – Porque se calou
toda a gente? – paro; sinto a mão da minha mãe nas minhas costas e a sua
ternurenta voz:
- Anda filho, com cuidado!
Percebo no seu tom, da forma como fala,
como me incentiva a avançar, que reprova algo, que não sei o que é. Terá alguma
coisa a ver com o facto de todos se terem calado quando entrei?
Bati com o pé direito em algo que estava
no caminho e quase caí. A mãe amparou-me. Retornei a caminhar e uma e outra vez
voltei a tropeçar. Novamente a mãe me ajudou a superar esses obstáculos.
- Espera, Armando, vamos sentar-nos aqui.
– informou-me, pegando em mim e sentando-me ao seu colo, após ter arrumado as
trouxas que trazia connosco.
A janela está aberta e através dela
consigo escutar o barulho do comboio a correr e dessa forma perceber a
velocidade que leva.
- Este comboio é mais rápido que a carroça
do Carlos padeiro… e até leva mais pessoas. – comento, ingenuamente, com a mãe.
Começaram todos a rir. Será que disse alguma piada? Ri também.
A mãe diz-me que me sente.
Obedeço, mas logo me levanto uma e outra
vez; de nariz em riste olfacto os odores das flores que sinto virem do
exterior. A mãe volta a insistir para que me sente. Cumpro. Segundo a mãe, a
viagem vai ser longa. Encosto-me a ela e adormeço agarrado ao seu braço.
Acordei.
Não
sei quanto tempo estive a dormir. Sei sim que estou com fome. A mãe dá-me um
bocadinho de pão com queijo. Como-o devagar, como a mãe está sempre a dizer
para eu fazer.
Estou a ficar aborrecido e fatigado da
viagem. A mãe diz-me que falta pouco, mas a pequenos espaços de tempo volto
sempre a perguntar-lhe,
- Ainda falta muito?
A mãe está sempre a avisar-me para que
fale mais baixo e que estamos quase a chegar. No quintal lá de casa posso falar
alto que ela não se importa. Ora bolas, nunca mais chegamos; e por que tenho de
falar baixo se estão todos a falar alto? Não percebo! Mas se a mãe diz, eu obedeço.
Finalmente chegamos. À nossa volta começo
a ouvir o reboliço e a movimentação das pessoas. Já estão todas a falar ao
mesmo tempo, outra vez. Aninho-me na mãe e pergunto-lhe:
- Também vamos, mãezinha? –responde à
minha questão enquanto me afaga o cabelo junto à nuca e me dá um beijo no topo
da cabeça.
- Já vamos, meu lindo! Primeiro deixamos
sair as outras pessoas e depois é mais fácil para nós.
Esperamos um pouco mais, tempo suficiente
para as outras pessoas saírem e a mãe segurar nas suas sacas e cesto. Ajuda-me
a descer do comboio e caminhamos, lado-a-lado, em direcção à saída da estação
de comboios. A mãe pára; sinto-a suspirar levemente enquanto murmura «Lisboa».
– Então isto é que é Lisboa? – penso – nada é diferente de Azinhaga, a não ser
ter mais barulho, mais pessoas juntas, não se escutar os pássaros ou o vento a
cantar nas ramas das árvores.
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