sábado, março 28, 2020

Ensaio sobre o amor - 7


ARMANDO

Estou neste banco, sentado, a aguardar a chegada de um tal de comboio. A mãe disse-me que é o transporte que nos vai levar a Lisboa. Parece que Lisboa é a cidade grande. Ouvi o senhor padre dizer que é lá que existem coisas que não há na nossa terra.
Aqui, sentado, escuto as vozes de muitas pessoas que também esperam o comboio; queria tanto poder andar por aí a mexer nas coisas, a ver, seja lá o que isso for; mas a mãe não me deixa. Diz que tenho de ficar aqui junto dela.

- Que é isto? – interrogo-me, num reflexo ao súbito silvo proveniente do tal comboio que nos vai transportar a Lisboa.
O que ouvi foi um som forte, agudo, intimidativo. No ar permaneceu um odor a humidade mesclada com ferro. Um cheiro que já sentira antes.
Escondo-me, assustado, atrás da minha mãe, agarro-me e sussurro-lhe que tenho medo. De imediato tenta acalmar-me, dando-me um abraço.
O barulho que as pessoas ao meu redor produzem aumenta enormemente. Sinto-as mais agitadas e a azáfama agora é enorme. A mãe segura-me na mão e encaminha-me na direcção do comboio. Ajuda-me a subir os poucos, três, degraus. Já dentro da carruagem, é assim que chamam a esta parte do comboio, oiço novamente as pessoas a falarem todas ao mesmo tempo. Sinto-me bastante excitado; é a primeira vez que vou andar de comboio.
- Que se passa? – penso – Porque se calou toda a gente? – paro; sinto a mão da minha mãe nas minhas costas e a sua ternurenta voz:
- Anda filho, com cuidado!
Percebo no seu tom, da forma como fala, como me incentiva a avançar, que reprova algo, que não sei o que é. Terá alguma coisa a ver com o facto de todos se terem calado quando entrei?
Bati com o pé direito em algo que estava no caminho e quase caí. A mãe amparou-me. Retornei a caminhar e uma e outra vez voltei a tropeçar. Novamente a mãe me ajudou a superar esses obstáculos.
- Espera, Armando, vamos sentar-nos aqui. – informou-me, pegando em mim e sentando-me ao seu colo, após ter arrumado as trouxas que trazia connosco.
A janela está aberta e através dela consigo escutar o barulho do comboio a correr e dessa forma perceber a velocidade que leva.
- Este comboio é mais rápido que a carroça do Carlos padeiro… e até leva mais pessoas. – comento, ingenuamente, com a mãe. Começaram todos a rir. Será que disse alguma piada? Ri também.
A mãe diz-me que me sente.
Obedeço, mas logo me levanto uma e outra vez; de nariz em riste olfacto os odores das flores que sinto virem do exterior. A mãe volta a insistir para que me sente. Cumpro. Segundo a mãe, a viagem vai ser longa. Encosto-me a ela e adormeço agarrado ao seu braço.

Acordei.
 Não sei quanto tempo estive a dormir. Sei sim que estou com fome. A mãe dá-me um bocadinho de pão com queijo. Como-o devagar, como a mãe está sempre a dizer para eu fazer.
Estou a ficar aborrecido e fatigado da viagem. A mãe diz-me que falta pouco, mas a pequenos espaços de tempo volto sempre a perguntar-lhe,
- Ainda falta muito?
A mãe está sempre a avisar-me para que fale mais baixo e que estamos quase a chegar. No quintal lá de casa posso falar alto que ela não se importa. Ora bolas, nunca mais chegamos; e por que tenho de falar baixo se estão todos a falar alto? Não percebo! Mas se a mãe diz, eu obedeço.
Finalmente chegamos. À nossa volta começo a ouvir o reboliço e a movimentação das pessoas. Já estão todas a falar ao mesmo tempo, outra vez. Aninho-me na mãe e pergunto-lhe:
- Também vamos, mãezinha? –responde à minha questão enquanto me afaga o cabelo junto à nuca e me dá um beijo no topo da cabeça.
- Já vamos, meu lindo! Primeiro deixamos sair as outras pessoas e depois é mais fácil para nós.
Esperamos um pouco mais, tempo suficiente para as outras pessoas saírem e a mãe segurar nas suas sacas e cesto. Ajuda-me a descer do comboio e caminhamos, lado-a-lado, em direcção à saída da estação de comboios. A mãe pára; sinto-a suspirar levemente enquanto murmura «Lisboa». – Então isto é que é Lisboa? – penso – nada é diferente de Azinhaga, a não ser ter mais barulho, mais pessoas juntas, não se escutar os pássaros ou o vento a cantar nas ramas das árvores.

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